Uma das coisas que os grunhos que dizem coisas como agora é tudo racismo não aceitam é que se diga que o racismo é sistémico e que as desigualdades raciais que acontecem hoje em dia são resultado de séculos de escravatura. Não, a ideia não é que todos os brancos se auto-flagelem com uma chibatinha pelo comportamento dos seus antepassados; mas ajuda a entender que, enquanto brancos, continuamos a beneficiar dum sistema hierárquico de poder desigual construído séculos atrás com base na cor da pele.
Isto para dizer que Antebellum – A Escolhida poderia ser (e, de certeza forma, até o é) o filme que viria responder a todas essas questões. Temos então duas realidades temporais: na primeira, Janelle Monáe é uma escrava numa plantação de algodão nos Estados Unidos confederados, gerida com mão de ferro pelo capataz Jack Huston; na segunda, a mesma Monáe é uma activista pelas questões raciais e interseccionalidade nos dias de hoje, que começa a receber ameaças de uma estranha mulher, que parece ressoar misteriosamente com a outra realidade temporal.
A forma como estas duas realidades se vão cruzar é a grande arma de Antebellum – A Escolhida, até porque desde o início que o filme tem sido ratado com grande secretismo. Tudo isso – aliado ao facto de vir carimbado com o selo dos produtores de Foge e Nós, os dois grandes títulos da actual consciência do cinema afro-americano – dá ao filme uma tremenda responsabilidade. E como é que ele responde a isso? Sacudindo o peso de cima dos ombros assim que pode. Por isso, pouco depois de meio do filme, os realizadores Gerard Bush e Cristopher Renz revelam logo o grande twist.
Isso comporta desde logo dois problemas. O primeiro é que, depois disso, torna-se difícil encher o último terço do filme; e o segundo é que o twist é… mau. Por isso, não há cá Janelle Monáe que valha, até porque os realizadores passam mais tempo a preocuparem-se com os seus planos de anúncio televisivo do que a construir um filme sério. E até mesmo a tentativa de justiça poética que ensaiam, a la Tarantino, acaba por sair fajuta.
Antebellum – A Escolhida é, por isso, uma desilusão. Tanto secretismo para isto?, é o que apetece perguntar. E ainda temos que aturar uma personagem de Gabourey Sidibe que é capaz de ser das coisas mais irritantes deste ano (e sim, estou a contar com a covid). Vá, fiquem lá com o Cheeseburger e não chateiem mais.
Título: Antebellum
Realizador: Gerard Bush & Christopher Renz
Ano: 2020