Marie Curie é um dos grandes símbolos feministas de sempre. Curie foi uma cientista que vingou num mundo predominantemente masculino, numa era em que o patriarcado era particularmente segregador e, mesmo assim, arrecadou dois Nobeis com um grande pinta. Por isso, numa altura de grande consciência feminista, um biopic de Curie torna-se tão óbvio quanto pertinente. E se vier assinado por Marjane Satrapi, a autora de Persepolis, melhor ainda.
No entanto, a abertura de Radioactivo é medonha. Aquele primeiro plano com uma Rosemund Pike envelhecida por próteses, a caminhar numa Paris com mais filtros e flares do que um anúncio de refrigerante, faz temer o pior. E sentamo-nos melhor, para nos prepararmos para qualquer ladainha laudatória interminável. Mas não, Radioactivo há de melhorar entretanto. Mas o certo é que também tem vários momentos em que piora. Sim, já perceberam tudo, Radioactivo é um filme desequilibrado.
Radioactivo há de arrancar ali, mais ou menos, após o encontro com Pierre Curie (Sam Riley), já Marie Skłodowska tinha trocado o Marya na sua mudança da Polónia natal para França, mas ainda antes de ter adoptado o apelido do futuro marido. A partir daí enceta um viagem ligeiramente atribulada até ao topo, em que o principal obstáculo é o patriarcado da Academia, que termina com o primeiro Nobel sueco, pelo seu trabalho com o rádio e o polónio. Tudo muito polido, a combinar tal e qual com a produção europeia de prestígio, que Marjane Satrapi se limita a ilustrar (e a decorar).
Quando as coisas começam a complicar, primeiro com a morte de Pierre, depois com um caso extra-conjugal (ai a elite da época, super-chocada com mulheres viúvas com homens mais novos), Radioactivo também melhora substancialmente. Porque a personagem de Marie Curie deixa de ser uma versão irritante do Sheldon Cooper e torna-se numa personagem complexa, com zonas cinzentas, que a atormentam e deixam o filme mais rico. Até a fotografia e as ruas de Paris se tornam mais escuras, sujas e mal-cheirosas.
Mas Satrapi decide então ser mais papista que o Papa e mete as mãos pelos pés. Como que a querer projectar o trabalho de Curie no futuro, a realizadora ensaia duas analepses que viajam até aos ensaios da bomba atómica e até ao desastre de Chernobil, como se quisesse passar uma mensagem moralista qualquer. Além de provar bem como a diabolização da energia nuclear continua a nebular a discussão, Satrapi cria uma associação entre Marie Curie e esses dois momentos da energia nuclear que é exageradamente abusiva. Para não dizer ridícula. E isso tira o que faltava tirar a este Happy Meal final.
Título: Radioactive
Realizador: Marjane Satrapi
Ano: 2019