| CRÍTICAS | O Grande Ataque ao Comboio d’Ouro

Em 1963 foi roubado de um comboio-correio em pleno andamento a incrível quantia de 2,3 milhões de libras, em Buckinghamshire, Inglaterra. O caso correu mundo e o facto de o dinheiro nunca ter sido recuperado contribuiu ainda mais para que se tornasse uma lenda. A imprensa chamou-lhe the great train robbery, que em português é mais ou menos qualquer coisa como o grande assalto a um comboio. No entanto, este é mais um daqueles erros históricos que por força de tanto ser dito acaba por se tornar verdade. É que há mais de um século atrás já tinha havido um outro grande assalto a um comboio. Fora em 1855 e foi esse episódio que o reputado autor Michael Crichton decidiu perpetuar, primeiro em romance e depois em filme, com o pertinentemente título O Grande Ataque ao Comboio d’Ouro (com apóstrofo e tudo). 

O Grande Ataque ao Comboio d’Ouro é então um heist movie ambientado na Inglaterra victoriana, mas longe da rigidez e do protocolo dos semelhantes filmes de época. O Grande Ataque ao Comboio d’Ouro deve muito mais aos heist movies clássicos, assemelhando-se até a um rip-off de Os Onze de Oceano, pelo estilo e descontração que aparenta.

O filme narra então a história de uma tríade de bandidos que planeia o maior roubo da história – o assalto a um comboio, em pleno andamento, que carrega uma soma considerável de ouro para a Crimeia, na Rússia. Algo que nunca fora feito e que era, à primeira vista, impossível. Mas claro que para patifes sofisticados como Edward Pierce (irrepreensível Sean Connery, que na altura tentava desesperadamente soltar-se da personagem de James Bond; tão desesperadamente, que até fez uma coisa como Zardoz), Robert Agar (magistral Donald Sutherland, com um delicioso sotaque rural) e Miriam (a bela e talentosa Lesley-Anne Down) não existe tal coisa como impossível. 

No entanto, o assalto ao comboio implica, primeiro, um grande trabalho de bastidores. É necessário roubar quatro chaves e, por isso, durante a primeira metade do filme, vai ser necessário seduzir a filha solteirona do dono do banco (onde surge um dos mais brilhantes diálogos do filme, numa analogia erótica dissimulada e divertida), escalar edifícios altíssimos apenas com as próprias mãos ou forjar encontros incógnitos com meretrizes francesas.

O Grande Ataque ao Comboio d’Ouro deve, na verdade, muito mais a Ocean’s Eleven – Façam As Vossas Apostas do que ao original Os Onze do Oceano, pela sua natureza mais “malandra”. O Grande Ataque ao Comboio d’Ouro pode não ter a música de Elvis Presley para dar estilo, mas em compensação tem o Elvis das bandas-sonoras, Jerry Goldsmith, a assinar a partitura sonora; pode não ter a sofisticada Julia Roberts a dar glamour à estória, mas em contrapartida tem a bela Lesley-Anne Down a derramar sensualidade; e pode não ter o charme de George Clooney, mas tem o original – Sean Connery.

Para além de divertido e um excelente entretenimento, O Grande Ataque ao Comboio d’Ouro conta ainda com uma magnífica fotografia e uma irrepreensível reconstituição da Inglaterra victoriana, ou não fosse Michael Crichton um autor meticuloso e perfeccionista. E depois tem um dos melhores assaltos da história dos heist movies, com o próprio Sean Connery a executar os seus próprios números arriscados, deslizando radicalmente pelo cimo das carruagens de um comboio em alta velocidade, escapando por um triz (e por mais do que uma vez) a ser decapitado pelas pontes e túneis. 

O Grande Ataque Ao Comboio D’Ouro é, injustamente, um dos grandes filmes esquecidos de Sean Connery e chega mesmo a ser um excelente Le Big Mac, com estilo e conteúdo. É certo que tem um final de aventura um pouco murcho mas, se pensarmos bem, na época em que a estória se passa, até faz sentido.

Título: The First Great Train Robbery
Realizador:
Michel Crichton
Ano:
1978

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