Um dos principais méritos do passar dos anos foi ter legitimado o cinema de terror, abrindo uma porta para uma década que foi super-estimulante para o género. E Stanley Kubrick, logo em 1980, foi o primeiro, com o clássico Shining. Atrás dele seguiram-se uma série de nomes consagrados, que agora não tinham medo em pegar num género que foi, durante tanto tempo, desconsiderado e conectado a uma franja de desajustados e afins.
Paul Schrader fez também esse percurso, passando de argumentista e autor respeitável (de Taxi Driver a American Gigolo) a realizador de filmes de terror. Mas fê-lo de forma particular, ou não fosse ele um intelectual: refazendo A Pantera, um filme de culto do género e do cinema a preto e branco em geral, que ainda hoje continua a influenciar a maneira de trabalhar a luz (e a sombra, neste caso).
Obviamente que A Felina é uma versão aumentada de A Pantera. Primeiro porque tem um orçamento maior e, segundo, porque havia efeitos-especiais novos para experimentar. O que significa que, enquanto A Pantera joga apenas com a sugestão, A Felina vai ter animatronics e muita maquilhagem para um par de cenas de body horror, algum gore gratuito e meia dúzia de momentos chocantes.
No entanto, tal como o original, A Felina continua a ser um filme sobre a emancipação sexual feminina e todas questões subjacentes de moralidade e repressão. E Paul Schrader vai também exagerar neste ponto, incluindo muitos fluídos corporais e, sobretudo, incesto(!) entre irmãos. Havia mesmo muita coca nos anos 80, não havia? Mas o grande trunfo de A Felina é o casting, já que é uma jogada de mestre ter a bomba sexual da altura, Nastassja Kinski, e o lorde da destruição, Malcom McDowell, como os irmãos incestuosos.
A Felina é então a história de dois irmãos órfãos reunidos muitos anos depois, que trazem um misterioso segredo com eles. Ambos pertencem a uma raça antiga de semi-deuses, o cat people do título original, que se transformam em panteras e que têm que matar para regressar à forma humana. A solução? Copularem com o irmão, sabe Deus porquê. Tudo isto é ambientado em Nova Orleães, o que joga também muito bem com a influência caribenha do vodu que existe na zona, mas com banda-sonora de sintetizadores de Giorgio Moroder e voz de David Bowie, o que faz de A Felina um objecto bem do seu tempo.
O problema é que isto parecem ser sempre demasiado coisas para se dizer em tão pouco tempo. Paul Schrader tem dificuldade em gerir essa informação, o crescendo das personagens vai indo aos solavancos e, no final, fica sempre a sensação que foram mais as coisas que depreendemos, do que aquelas que foram realmente abordadas. Sempre que vejo A Felina fico mais convencido de que um director’s cut disto poderia valer bem mais que o Double Cheesrburger. Assim, é só uma mistura muito apelativa de sexo, violência e patetice.
Título: Cat People
Realizador: Paul Schrader
Ano: 1982