| CRÍTICAS | Os Bárbaros do Século XX

Nos anos, com a Hollywood clássica a definhar, as antigas estrelas do star system encontraram uma forma de se manterem relevantes no grande ecrã: filmes normalmente chocantes, em que maioritariamente interpretavam velhas enlouquecidas. Nascia assim o hag-exploitation, sub-género que tem O Crepúsculo dos Deuses e Que Teria Aconteceria a Baby Jane? como títulos maiores, mas que costuma esquecer (injustamente, sublinhe-se) Os Bárbaros do Século XX.

Olivia de Havilland, vencedora de dois Oscares, é a antiga estrela de Hollywood de Os Bárbaros do Século XX e, talvez por não fazer de bruxa velha (que, invariavelmente, também servia sempre de metáfora à precariedade da fama), o filme não costuma ser associado ao hag-exploitation. No entanto, não só é um shocker, como é um percursor de muita coisa. Os splatter e o gore-porn começa aqui e as invasões domiciliárias (olá Brincadeiras Perigosas, como estás?) também.

Olivia de Havilland vive então numa mansão de dois pisos e, por causa de uma operação à anca, utiliza um pequeno elevador em vez das escadas. Quando uma falha eléctrica a deixa fechada na pequena cabina entre pisos, o alarme atrai todo o tipo de bandidos à sua casa (alguns de forma algo forçada, diga-se): um bêbado (Jeff Corey), uma vigarista (Ann Sothern) e três anarquistas (James Caan, Rafael Campos e Jennifer Billingsley).

São precisamente estes três últimos (e é a eles que o título em português se refere) que vêm fazer do filme o que ele é. Isso porque são personagens totalmente amorais, sem qualquer motivação que não o roubar, o pilhar e o matar. São dejectos pós-modernistas de uma sociedade em definhamento, que fazem lembrar os valores perdidos de uma Hollywood antiga (da qual Olivia de Havilland fez parte enquanto uma das suas estrelas mais cintilantes). São a Nova Hollywood que uma década depois viria a tomar conta da indústria e que eram acusados do mesmo: de trazerem consigo filmes que ninguém queria ver, moralmente degenerados.

O realizador Walter Grauman foi acusado de fazer um filme vulgar, mas Os Bárbaros do Século XX é um sinal de uma década de mudança e das convulsões sociais que se sentiam nas ruas. Tal como os atacantes de Brincadeiras Perigosas ou de Laranja Mecânica, estes bárbaros não são invasores que vêm para derrubar o império, mas antes a própria sociedade em si. E os carros que passam lá fora, no bulício do quotidiano, e não param para acudir aos pedidos de socorro de Olivia de Havilland (e que Grauman filma várias vezes como se fosse o Fim-de-semana de Godard), é apenas uma causa desse alheamento e não uma constatação.

Os Bárbaros do Século XX são um filme à frente do seu tempo, mas que, (re)visto hoje em dia, nos serve ainda para recordar como James Caan é um actor que merece mais crédito. É certo que, nos últimos anos, andou envolvido na campanha do Trump, mas Caan – aqui a fazer de Marlon Brando – é um dos grandes actores da sua geração, tão hiperbólico quanto genial. Estreou-se aqui com este shocker, fez muita treta, mas a sua carreira é como Os Bárbaros do Século XX: merece um McRoyal Deluxe.

Título: Lady in a Cage
Realizador: Walter Grauman
Ano: 1964

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