| CRÍTICAS | Uma Vida à Sua Frente

É certo que a Netflix pode ter milhentos defeitos, mas também há que reconhecer um ou outro feito positivo. Como, por exemplo, o de nos trazer de novo Sophia Loren, que, aos 86 anos(!), continua uma sex symbol e continua a teimar escolher papeis que não correspondam a esse estatuto. Ou seja, ontem como hoje.

Em Uma Vida à Sua Frente, o seu regresso ao trabalho e, mais uma vez, pela mão do filho, o realizador Edoardo Ponto, Sophia Loren (Madame Rosa) é uma ex-prostituta judia (e ex-prisioneira em Auschwitz, pormenor que não será de somemos para estabelecer a sua personagem no filme) que, depois de se reformar do ofício, se dedicou a cuidar dos filhos de outras prostitutas. Agora, no último estádio da sua vida, o amigo dr. Coen (Renato Carpentieri) vai deixar à sua guardar Momo (Ibrahima Gueye), um menino do Senegal com tanto de rebeldia quanto de inconformismo, que necessita na sua vida de uma figura maternal que, ao mesmo tempo, consiga impor respeito para o afastar definitivamente das más companhias e de fazer as escolhas erradas.

Sabemos onde é que Uma Vida à Sua Frente vai parar e, por isso, é mais a viagem que importa. Madame Rosa e Momo vão começar por chocar de frente, depois vão perceber que têm mais em comum do que parece (afinal de contas, o passado judaico às mãos dos nazis da primeira ressoam mais do que ela pensava na vida de Momo, emigrante descriminado em Itália – e aqui há uma rima muda com a actualidade italiana que não pode ser ignorada) e terminam em cumplicidade.

Obviamente que não é pelo elenco que Uma Vida à Sua Frente falha. Sophia Loren continua a ser Sophia Loren e até a um filme de anões cáubois era capaz de dar dignidade e seriedade. Mas Ibrahima Gueye é também um belo achado, com tanto de espontaneidade quanto de força no olhar. O problema é que nada no filme acompanha esta bitola, começando logo pela fotografia toda bonitinha, cheia de flares e filtros do Instagram, mais indicada para um anúncio a cerveja do que a um drama destes. E depois o argumento é sempre demasiado esquemático, como se a mensagem bem intencionada fosse suficiente para a inflar de força, pertinência e profundidade. Edoardo Ponti até recorre demasiado vezes a essa muleta narrativa tão preguiçosa quanto fácil, que é o narrador, para explicar o que não consegue explicar e até o que nem precisa ser explicado.

Uma Vida à Sua Frente está para o cinema assim como os livros de supermercado estão para a literatura. Vai-se manter nas tendências da Netflix em todos os países e mais alguns durante semanas a fio, centenas de pessoas vão partilhar stills do filme no Facebook acompanhados de mensagens profundas como “Top” e “O melhor filme do ano”, mas no final ninguém vai gostar realmente ou se lembrar dele quando a covid desaparecer. Felizmente está lá Sophia Loren para nos lembrar o que encomendámos para o jantar: Cheeseburgers!

Título: La Vita Davanti a Sé
Realizador: Edoardo Ponti
Ano: 2020

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