| CRÍTICAS | Com a Maldade na Alma

Apesar do inesperado sucesso de Que Teria Acontecido a Baby Jane?, com um Oscar inclusive arrecadado por Bette Davis, a verdade é que a vida de nenhum dos intervenientes correu como esperado nos anos seguintes. Tanto as actrizes, Joan Crawford e a dita cuja Bette David, como o realizador Robert Aldrich, continuaram sem receber propriamente propostas estimulantes e a sua carreira mantinha-se, de certa forma, estagnada. Por isso, já que agora estavam colados ao subgénero que tinham criado – o hagexploitation -, mais valia assumirem a coisa. E, dois anos depois, juntaram-se para aquele que deveria ser o título definitivo do género: Com a Maldade na Alma.

Entretanto a vida intrometeu-se e, durante a produção, Bette Davis lá conseguiu fazer a cabeça em água a Joan Crawford, que às tantas se internou num hospital. Aldrich foi buscar outra hag queen, Olivia de Havilland, acabadinha de sair de outro hagexploitation (o seminal Os Bárbaros do Século XX, percursor dos home invasion movies), e completou o ramalhete. Com a Maldade na Alma não repetiu assim a tríade maravilha de Que Teria Acontecido a Baby Jane? (mas tem também Victor Buono), mas nem por isso deixa de ter o seu lugar na historia do cinema.

Com a Maldade na Alma não é uma sequela de Que Teria Acontecido a Baby Jane?, mas as semelhanças são inevitáveis. E não se ficam pelo mesmo elenco e realizador. Tal como o anterior, também este começa com um prólogo de há 30 anos atrás, em que um evento traumático marcará para sempre a vida de Bette Davis; também esta volta a fazer de velha enlouquecida pelo tempo; e ainda tem o seu momento musical, se bem que aqui a theme song é bem mais macabra, mais na onda de um A Semente do Diabo, do que um lullaby como era I’ve Written a Letter to Daddy.

Bette Davis é então a Charlotte do título original, a filha de um fazendeiro do sul que, em 1927, estava a ter um caso com um homem casado (o muito novo Bruce Dern). Durante uma festa, depois do pai descobrir, o amante cancela os planos de uma fuga conjunta e acaba por aparecer esquartejado e decapitado, numa cena bem gore. O vestido ensaguentado da jovem Bette Davis tornam-na na principal suspeita, mas as provas nunca são substanciais para a condenar. Corte para a actualidade, e Bette Davis vive agora só na mansão do pai, ameaçada de expropriação, enlouquecida pelo passado traumático e apenas acompanhada pela criada, Agnes Moorehead, que é na verdade a hag queen deste filme e que, curiosamente, até recebeu uma nomeação ao Oscar por isso.

Olivia de Havilland é então uma prima bem sucedida na vida, que regressa a casa todas essas décadas depois, para ajudar a pobre Charlotte a empacotar as coisas, a deixar a casa e a assumir de vez o passado. Mas estranhas aparições começam a surgir na casa, a theme song Hush, hush Sweet Charlotte ouve-se à noite no cravo lá de casa, uma ,ão surge debaixo da mesa e uma cabeça decepada há de rolar pelas escadas abaixo.

O facto de ser ambientado no Louisiana faz de Com a Maldade na Alma um verdadeiro gótico sulista, dando-lhe uma atmosfera muito particular. Além disso, é um hag horror mais sobrenatural, em que a descida pela espiral de demência de Bette Davis é mais palpável do que em Que Teria Acontecido a Baby Jane?. E esta aproveita para, num tour de force, ter uma prestação ainda melhor, se bem que o facto de não usar aqui maquilhagem grotesca acaba por não a tornar tão icónica.

Só que Com a Maldade na Alma revela o seu twist demasiado cedo e depois anda ali embrulhado tempo demais com cambalhotas e cambalhotas à rectaguarda, para manter o suspense, que acaba por esvaziar a panela de pressão e chegar ao fim já sem a força que o filme acumula no início. Com a Maldade na Alma pode ser um McBacon, mas não se deixem enganar. Merece todas as menções possíveis, tem o seu lugar na história do cinema e é um dos grandes exemplares do hagexploitation.

Título: Hush… Hush, Sweet Charlotte
Realizador: Robert Aldrich
Ano: 1964

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