| CRÍTICAS | Variola Vera

Em 1972, um peregrino do Kosovo regressou do Médio Oriente e trouxe consigo um passageiro inesperado: o vírus da varíola. De repente, o vírus alastrou e a epidemia ameaçou a Europa. A Sérvia agiu com prontidão: estado de emergência, cercas sanitárias, proibição de ajuntamentos, quarentena e, com a ajuda da OMS, vacinaram praticamente toda a população. Em cerca de mas e meio, a epidemia estava controlada e erradicada. Era o último grande surto de varíola na Europa. Hoje, em plena pandemia da covid-19, este era um filme que urgia recuperar, para mostrar às pessoas como é importante a vacinação, a imunidade de grupo e o distanciamento social.

Variola Vera – que é o nome do vírus que causa a doença – é a adaptação desses eventos reais, feito numa altura em que o cinema iugoslavo em geral era extremamente activo, mas pouco dado a realismos contemporâneos, preferindo centrar-se nos heroísmos da guerra. Começa com um curto prólogo, com os peregrinos a trocarem uma flauta com um mercador árabe e, de repente, já estão no aeroporto de Belgrado. O percurso do vírus está feito até ao hospital, que vai ser onde o filme se vai centrar.

Com uma câmara escorreita, Markovic vai varrendo os vários pisos do hospital de Belgrado e apresentando as várias personagens principais que vão fazer parte deste filme coral, com uma desenvoltura que, caso o filme não fosse de 1987, diríamos que teria ido beber influência às séries de hospital como Serviço de Urgência. Entre médicos, enfermeiras e internados, destaque para o doutor Grujic, interpretado por um jovem Rede Serbedzija, esse actor sérvio que parece ter o dom da omnipresença nas sessões de cinema das tardes de fim-de-semana na televisão nacional. Experimentem fazer zapping num sábado à tarde pelos filmes que estão a dar na televisão e vão apanha-lo em pelo menos metade deles.

Surge então um estranho paciente, com sintomas suspeitos, que incluem febre, delírios e muito sangue cuspido. É quase um elemento sobrenatural que Markovic insere no filme, como se fosse um zombie que viesse para instaurar o terror. Afinal, é o paciente zero e, apesar de não ser nenhum zombie, é mesmo o terror que traz com ele. Só que é um terror hiper-realista, que misturado com a claustrofobia, cria um cocktail que pode ser desesperante.

É que, ao identificarem o surto de varíola, o hospital é isolado, cercado pela polícia e quem estava lá dentro tem que se manter em quarentena por 21 dias. São três semanas em que as paredes parecem ir apertando cada vez mais, a saúde mental vai-se deteriorando e as relações entre aquele aquartelados vai sofrendo altos e baixos. Goran Markovic, apesar dos recursos limitados, gere com perícia estas tensões e estes relacionamentos, acabando por criar um filme de terror alternativo, que é ainda amplificado pela realidade actual do novo coronavírus. Tal como a covid-19, a varíola é uma ameaça invisível, mas tão real quanto mortal. E é por isso que perturba mais. Variola Vera é um McChicken é o real deal obrigatório para os dias de confinamento, deixem lá as hollywoodices de Outbreak – Fora de Controle ou de Contágio.

Título: Variola Vera
Realizador: Goran Markovic
Ano: 1982

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