| CRÍTICAS | Soul – Uma Aventura Com Alma

Em Terminal do Aeroporto, de Steven Spielberg, comédia agridoce sobre um viajante que ficava retido a viver num aeroporto por se ter tornado apátrida, a motivação de Tom Hanks para ir aos Estados Unidos era ir conseguir o autógrafo que lhe faltava para completar a colecção de músicos de jazz que aparecem na A Great Day in Harlem. Se há motivação mais bonita na vida para além do amor senão o jazz então não a conheço.

Em Soul – Uma Aventura com Alma, a nova animação da Pixar, também é o jazz a motivação do filme. Mas não só. Porque o filme é sobre o sentido da vida. Que pode ser o jazz, claro. Mas sem o jazz não haveria blues, r&b, funk, rock’n’roll… Portanto, o sentido da vida é tudo isso. Mas também o jazz. Por isso, se há uma mensagem que fica em Soul – Uma Aventura com Alma, é que o sentido da vida está no todo. E o todo inclui as pequenas coisas da vida. É complicado, eu sei. Mas a vida também o é.

Joe (voz de Jamie Foxx) é um apaixonado pelo jazz, que vive para o piano e que acredita piamente que o seu destino é tornar-se num grande músico. Enquanto o seu futuro não se cumpre, vai dando aulas a miúdos na escola para pagar as contas. Até que, eis a grande oportunidade: a grande, inigualável e gigante saxofonista Dorothea Williams (voz de Angela Bassett, ela que já foi Tina Turner no grande ecrã também) convida-o para um concerto. Os planetas, os chacras e todos os santinhos desta vida parecem finalmente ter-se alinhado e está tudo nas mãos (e nos dedos) de Joe. Mas cai num bueiro aberto na rua e morre!

Mas Joe não está para aceitar essa derrota. Esteve à espera demasiado tempo para desistir agora e não é a morte que o vai parar. Por isso, recusa caminhar para o oblívio, volta para trás e vai dar ao pré-vida. Estamos então numa espécie de mundo new-age, gerido por figuras cubistas desenhadas a néon. É um Além mais holístico e espiritual do que religioso, mas nada disto interessa, porque isto é só a ferramenta que os realizadores, Pete Docter e Kemp Powers, utilizam para explorar as especificidades do ser humano e as razões da existência. Basicamente, Soul – Uma Aventura com Alma é como o Divertida-Mente, mas com… almas/energias/whatever? em vez de sentimentos.

Joe irá tornar-se o mentor de uma jovem alma/energia/whatever (voz de Tina Fey) que não consegue encarnar por não descobrir o que lhe dá sentido à vida e acabarão por rumar à Terra, onde vão entender finalmente aquele verso do Sérgio Godinho que diz que a vida é feita de pequenos nadas. Depois o resto já sabemos, nada de demasiado imprevisível há de acontecer até ficar tudo bem no final e mensagem entregue, com a Pixar a fazer o seu habitual jogo de mexer nos nossos sentimentos como ninguém, mas sem nunca ser de um sentimentalismo baratucho.

No entanto, fica sempre a sensação de que, em determinados momentos, Soul – Uma Aventura com Alma é um pouco desarrumado, algo que não é muito habitual na Pixar, cujos argumentos são sempre de uma precisão suíça. É o caso dos freaks dos místicos sem fronteiras, que andam pelo Além num barco psicadélico a bombar Bob Dylan, que surgem ali meio deslocados, quase como um deus ex machina para resolver um par de problemas sem solução. Mas o que é isto comparado com um filme de desenhos-animados que nos faz ficar com os olhos mareados ao ver umas simples folhas de outono a caírem ao lusco-fusco? Claro que as lágrimas são provocadas pela cebola do McRoyal Deluxe, mas mesmo assim…

Título: Soul
Realizador: Pete Docter e Kemp Powers
Ano: 2020

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