| CRÍTICAS | Fuga Sem Rumo

* por Diogo Augusto

O filme abre com Kirk Douglas em modo cáuboi. Depois olha para cima e vê aviões a jacto a deixar uma marca branca no céu. Tive de carregar no pause e ir ver o que é que estava ali que não batia certo. Um cáuboi a ver aviões a jacto? Depois percebi que estava bem. Era mesmo assim. Fuga Sem Rumo apanha um momento de transição entre uma América de cáubois e uma América industrializada e moderna. E fá-lo brilhantemente.

Kirk Douglas é John W. Burns, um cáuboi num mundo em que já não há cáubois, uma espécie de samurai perdido num Japão industrializado, preso a um mundo que funcionava com ritmo, paisagens, pessoas e valores diferentes e antiquados. Apanhamo-lo já rumo à cidade. O seu objectivo é ser preso para salvar o seu melhor amigo, que é ao mesmo tempo marido da mulher que ama (interpretada por Gena Rowlands, que faz valer todos os minutos de ecrã que lhe são dados). O plano é ser preso para poder fugir com o amigo.

Lá chegado, Burns percebe que, afinal, ele é o único a viver num mundo que já não existe. E isso condena-o a ser para sempre solitário. A segunda parte do filme é, então, Burns a fugir a cavalo a uma polícia cheia de tecnologias modernas liderada pelo Xerife Morey Jonson (Walther Matthau), também ele alguém com problemas de adaptação à modernidade.

Dalton Trumbo, o guionista, explora as relações do protagonista (com o seu melhor amigo, com a sua amada, com o seu cavalo) de forma perfeita, aproveitando cada diálogo para nos permitir entrar cada vez mais na mente de Burns. Whiskey, a égua de Burns, por exemplo, é ela mesma um animal nunca completamente domado, como se pertencesse a um sítio e a um tempo que não aqueles. Não é de espantar que ela se torne a única verdadeira amizade do protagonista.

Não entrarei em detalhes em relação ao fim, para não estragar a surpresa de quem nunca viu, mas se há forma melhor de terminar um filme, eu não estou bem a ver qual será. Se juntarmos a isto uma realização imaculada de David Miller, uma cinematografia vitoriosamente arriscada de Philip H. Lathrop e uma banda sonora perfeitamente incorporada de Jerry Goldsmith, temos um cocktail que resultou naquele que foi o filme preferido de Kirk Douglas. Este foi um projecto que resultou de uma paixão de Douglas depois de ler The Brave Cowboy, de Edward Abbey, no qual o filme é baseado. Decisões da distribuidora e o destino quiseram que este filme não tivesse o reconhecimento que merecia. É que estamos a falar de um Royale with Cheese sem espinhas. Menu XL.

Título: Lonely Are The Brave
Realizador: David Miller
Ano: 1962

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