Hayao Miyazaki, o Walt Disney japonês, sempre soube transpor para as suas histórias os valores da família pelos olhos das crianças, em filmes que tanto tocam aos jovens e aos adultos, onde uma variável costuma ser constante: a fragmentação do núcleo familiar, normalmente através da falta da figura maternal. O Meu Vizinho Totoro será, quiçá, aquele em que essa premissa é mais evidente. Ou, pelo menos, de forma mais fundamental.
Satsuke e a sua irmã mais nova, Mei, são as protagonistas desta aventura, que começa ao mudarem-se para uma nova casa, num meio mais rural. A mãe está internada e, como tal, está ausente, enquanto o pai, por causa do trabalho na escola, também não está propriamente presente na vida das filhas, que crescem assim apoiadas uma na outra. Como que a preencher este vazio parental, as duas vão encontrar nos bosques circundantes novos amigos: o gigante Totoro (uma espécie de urso de peluche, extremamente adorável), um gato-autocarro(!) e outras criaturas mágicas igualmente fofinhas.
Miyazaki espalha estes elementos surrealistas com um duplo objectivo: o de estimular a imaginação dos mais novos e a de falar de coisas importantes a brincar. Enquanto Walt Disney sempre preferiu a antropormofização dos animais, o japonês recorre antes a monstros, criaturas paranormais e a um realismo mágico muito típico do imaginário nipónico (quem nunca leu Haruki Murakami), para construir os seus universos, onde os fantasmas não são criaturas maldosas, mas antes companheiros fiéis com uma existência mais alargada do que parece à primeira vista.
Mas a grande demonstração de humanismo e de contador de histórias de Miyazaki fica provada quando O Meu Vizinho Totoro mergulha na tragédia. O japonês fa-lo com grande discrição, sem enveredar pelo melodrama lacrimejante e sempre com uma interpretação dúbia. Tão dúbia que são várias as teorias que defendem interpretações diferentes para o final do filme. Terão havido mortes ou não? Estaremos a ver o mundo real ou são fantasmas que falam connosco? Seja como for, tanto uma como a outra possibilidade não hipotecam o McRoyal Deluxe e só servem aliás para lhe dar mais sabor.
Título: Tonari No Totoro
Realizador: Hayao Miyazaki
Ano: 1988