Steve (Anthony Mackie) e Dennis (Jamie Dornan) são dois paramédicos que fazem o turno da noite e que, por isso, estão habituados a acorrer a incidentes que estão normalmente relacionados com o excesso de drogas e de álcool. No entanto, até para esses parâmetros, os casos que vão encontrando no início de Synchronic são demasiado estranhos: um tipo trespassado por uma espada gigantesca, outro carbonizado como se tivesse entrado em combustão espontânea ou fracturas expostas sem explicação aparente.
É uma atmosfera de estranheza que rodeia o primeiro acto de Synchronic, em que começamos a notar algo comum a todas essas ocorrências: uma droga sintética com o mesmo nome do título do filme (o que é logo uma pista para percebermos que ali há gato). Além disso, os realizadores Justin Benson e Aaron Moorhead vão filmando estes instantes iniciais numa espécie de narcotismo, que faz com que tudo pareça estranho e sobrenatural.
No entanto, à medida que o filme vai recolhendo respostas e explicações, todo este ambiente difuso vai-se desvanecendo. É um caminho para a normalização, porque, afinal, Synchronic não é um filme de ficção-científica como parece ser de início, mas antes uma reflexão existencial sobre o propósito da vida. Na verdade, é antes um buddy-schi-fi-thriller-movie. Ou seja, é o percurso exactamente oposto que faz o anterior filme da dupla, O Interminável, em que dois irmãos regressavam à seita onde tinham crescido décadas antes e mergulhavam lentamente num universo de estranheza, com três luas e uma espécie de sonambulismo que nos engolia a todos.
Entretanto, havemos de perceber que a tal droga sintética mexe com o cérebro de uma forma interfere com o tempo. A explicação que dão, daquelas para totós, é recorrendo às estrias de um disco de vinil: ao tomar synchronic, o tempo deixa de ser linear e passa a ser concêntrico. No fundo, Synchronic é um filme sobre viagens no tempo, se bem que o como é sempre menos importante do que o porquê.
É que a personagem de Anthony Mackie está a morrer com um cancro no cérebro e, como tal, todas estas respostas sobre o sentido da vida ganham outra urgência. Quando a filha de Jamie Dornan desaparece depois de tomar a droga, a trama adensa-se. No fundo, Synchronic é a resposta cinematográfica aquela máxima em latim que toda a gente gosta de escrever no Facebook – carpe diem!
Ao terceiro filme, os realizadores Justin Benson e Arron Moorhead continuam a utilizar a ficção-científica como ferramenta para explorar os dramas existenciais e filosóficos da vida (e aqui é ainda aflorado ao de leve o racismo sistemático norte-americano, nas viagens no tempo de Anthony Mackie), sem se atemorizarem com o baixo orçamento. Afinal de contas, está provado pela enésima vez de que, para um bom filme, não é preciso muito dinheiro, mas sim uma boa história. É certo que Synchronic não é perfeito, longe disso (muitas coincidências no argumento, um par de plot holes e a tendência irritante de que, quando Mackie viaja no tempo, vai sempre parar a uma situação de perigo), mas é mais um passo em frente numa filmografia bem interessante dessa dupla de realizadores que continua a fazer sentido seguir. Desta vez levam para casa um McChicken; aposto que para a próxima a parada vai aumentar mais um pouco.
Título: Synchronic
Realizador: Justin Benson & Aaron Moorhead
Ano: 2019