Damos de caras com um filme chamado Abaixo de Zero e a nossa mente, qual cão de Pavlov, envia-nos logo imagens do Sylvester Stallone em Assalto Infernal, o filme em que ele é um montanhista nas Montanhas Rochosas a braços com uns traficantes de droga e tem que mergulhar em águas com temperaturas negativas de manga curta. Por isso, por mais que tentemos começar a ver um filme do Godard, do Antonioni ou de outro auteur qualquer, o nosso corpo não permite. E só sossegamos quando pressionamos no play desta nova produção da Netflix.
Afinal, Abaixo de Zero chama-se assim porque… está fresquinho lá fora. O filme passa-se nos arredores de Cuenca, no inverno, e está frio. Tirando um ou outro comentários dos protagonistas, nada disso influencia em nada a história. Se o filme se passasse no verão, à torreira do sol, seria exactamente igual. Por isso, quem decidiu chamar assim o filme que se chegue à frente e se explique.
Infelizmente, se essa fosse a única coisa que não faz sentido em Abaixo de Zero estávamos nós muito bem. O filme do espanhol Lluíz Quílez não só tem a economia narrativa de um série b, como sofre também de todos os síndromes do cinema xunga, a saber: as típicas armas com munição infinita (neste caso a coisa ainda é mais gritante porque é uma caçadeira); o mau que falha os tiros todos, mesmo quando utiliza uma mira telescópica, excepto quando é preciso ferir alguém de raspão para que tenha dificuldade em escapar; ou uma estrada onde não passa um único carro durante toda a noite.
Martín (Javier Gutiérrez) é então o herói do dia, um polícia que, no seu primeiro dia de trabalho, vai ter que transportar uma série de prisioneiros para uma outra prisão. Pelo caminho, vão ser abordados por um estranho armado, que embosca a carrinha de segurança e avisa: ou lhe entregam um dos jovens prisioneiros para ele executar ou morrerão todos no interior. A sinopse diz que, além do mau e dos presos, que o polícia terá que enfrentar também a temperatura negativa lá fora, mas isso é só wishful thinking. Como referi acima, nada disso interessa para a história. Desligam o aquecimento da carrinha e o pessoal só diz está frescote, hein; conduzem sem vidros na janela; e hão de ter o momento Assalto Infernal também, quando hão de escapar por um lago gelado, sem grandes problemas com o frio.
Temos então um Con Air – Fortaleza Voadora, mas com uma carrinha de presos (e todos eles bem desinteressantes, apesar do realizador Lluíz Quílez tentar dar papeis bem definidos a cada um deles). Além disso, Quílez esforça-se de todas as formas e feitios para conseguir manter aquela gente toda dentro da carrinha, até porque é nesses momentos que o filme podia ter algum interesse (breaking news: não tem! nunca consegue acumular suspense e se era suposto haver alguma claustrofobia, ela não passa apenas de uma boa intenção) enquanto o mau espera no exterior, mas às tantas os plotholes são tantos que já não sabemos se estamos a ver centenas de buracos no argumento ou apenas um muito grande.
Finalmente, há-de chegar a explicação para o ataque à carrinha e volta a ser um enorme plothole. No entanto, o pior é o que acontece a seguir, com um fim daqueles tão desonesto que nos faz perder qualquer esperança no cinema médio da Netflix. É um desenlace com tão falta de moral que, se Abaixo de Zero já era mau, então se torna literalmente num dos piores filmes de sempre. Em vez de arrepios de frio, a única coisa que nos provoca é bocejos. E talvez uma congestão, se comeremos esta Hamburga de Choco.
Título: Bajocero
Realizador: Lluíz Quílez
Ano: 2021