| CRÍTICAS | Malcolm & Marie

Era uma questão de tempo até estrear o primeiro filme feito em período de pandemia. Malcolm & Marie é esse título, totalmente produzido, escrito e filmado durante este tempo, que acaba de chegar à Netflix. E, coincidência ou não, acaba por reflectir essa ideia de confinamento através da sua economia de meios: é um filme com apenas dois actores, num só cenário.

Malcolm & Marie abre com o casal (John David Washington e Zendaya) a chegarem à sua casa, uma mansão em Malibu, na noite da estreia do filme realizado pelo primeiro, que se revela uma obra-prima. Estão feitas as apresentações e não mais haveremos de abandonar aquelas quatro paredes. Estão feitas as apresentações e dado o mote. Siga para bingo.

Malcolm está claramente feliz e ligeiramente tocado, dança que nem um louco ao som de James Brown e salta para cima dos móveis. Mas Marie está com uma cara de caso que deixa ver que há ali algo a remoer. O rastilho está a arder e já não falta muito para a bomba explodir.

Malcolm & Marie é um filme de alcova, sobre a relação de um casal, que escala e descala entre discussões, sempre muito racionais e palavrosas. É como se Aaron Sorkin realizasse um remake de A Guerra das Rosas, mas ninguém escreve diálogos como ele, não é? Washington e Zendaya discutem com grande fluência, mas da forma que ninguém discute. São diálogos mais do domínio da literatura que, em comparação com Marriage Story (com o qual Malcolm & Marie tem sido amiúde (e abusivamente) comparado), é quase como comparar a noite com o dia. Os diálogos de Sorkin também não são conversas como as que temos diariamente, mas esses conseguem manter-nos colados ao ecrã com a sua fluência, ritmo e encadeamento.

Aqui, são os actores que dão vida aos diálogos (que, na verdade, são mais monólogos), especialmente Zendaya, que tem aqui o seu filme de transição da vida de menina para a adulta. No entanto, ao contrário do que parece à primeira vista, Malcolm & Marie acaba por não ser um filme sobre relações, mas sim um filme sobre… filmes. É um filme que faz o ponto de situação do cinema actual, com muito name dropping, reflexões sobre as questões raciais ou de género na indústria e até uma espécie de acerto de contas do realizador Sam Levinson com os críticos.

O próprio Levinson não se limita a ilustrar o filme como se fosse apenas teatro filmado. A câmara normalmente desliza em demoradas sequências, que acompanham os actores pela casa, ou enquadra-os de fora para dentro ou de dentro para fora, numa realização com um marca pessoal, caracterizada pelo preto e branco de alto contraste que pode soar um pouco pretensioso, já que não tem grande justificação. Tudo isso faz com que Malcolm & Marie seja um filme de altos e baixos, que se equilibra no final num perfeito e balanceado Double Cheeseburger.

Título: Malcolm & Marie
Realizador: Sam Levinson
Ano: 2021

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