Se havia uma altura certa para se fazer uma sequela de Um Príncipe em Nova Iorque era agora. A negritude tem ganho representatividade no grande ecrã e a discussão começa-se finalmente a fazer. Por isso, depois de Wakanda ter chegado ao cinema, era altura de se recuperar Zamunda, o primeiro grande império africano.
Um Príncipe em Nova Iorque foi o primeiro filme a desmistificar uma série de clichés sobre África. Zamunda, apesar de espelhar um modelo democrático branco pós-colonização, era um sinal de emancipação negra, representando um estado próspero e auto-suficiente, com identidade própria, que não olhava para África como destino exótico de auto-descoberta (olá África Minha), como cenário de guerra ou de espionagem (olá O Fiel Jardineiro) ou como sinónimo de miséria e sofrimento (olá Beasts of No Nation). Não era perfeito, mas foi o suficiente para abanar o sistema representativo negro de Hollywood.
Agora, na sequela, 2 Príncipes em Nova Iorque volta a não ser perfeito e não escapa a meter o pé na argola um par de vezes (mas nada de grave), mas é uma óptima actualização pós-Wakanda, 30 anos depois. Ruth E. Carter, a figurinista de Black Panther, é a escolhida para vestir Zamunda e o resultado é incrível. Em contrapartida, o reino vizinho e rival de Nextdoria, cujo líder é o temível General Izzi (Wesley Snipes), representa o outro lado do espectro: a África pós-colonial que não deu certo e que continua a perpetuar o sistema estrutural do poder branco.
Um Príncipe em Nova Iorque era a habitual história do peixe fora de água, em que o príncipe herdeiro (Eddie Murphy) e o seu leal súbdito (Arsenio Hall) viajavam para Nova Iorque em busca de uma futura rainha para o primeiro. 2 Príncipes em Nova Iorque faz o percurso inverso. É certo que leva Murphy e Hall de volta a Queens (onde regressam à mítica barbearia de Clarence), mas é uma viagem curta, para trazer para África o filho bastardo que o agora rei descobre que tem. Jermaine Fowler poderia ter saído daquele filme kafkiano sobre o capitalismo que é Desculpe Incomodar, um trintão a tentar vingar, e acaba por viajar com a sua mãe (Leslie Jones) para Zamunda para o choque cultural.
2 Príncipes em Nova Iorque há de ser ainda um filme sobre o feminismo e a emancipação feminina, mas esse é um tema sempre secundário (irónico…), já que acaba invariavelmente abafado pela jornada de Jermaine Fowler e o arco redentor de Eddie Murphy. Pelo meio, os gags e as piadas de uma dupla Murphy/Hall que parece que nunca fora desfeita e a inevitável viagem pela memory lane da nostalgia. Há uma cena em que reedita as imagens de Um Príncipe em Nova Iorque e que faz lembrar o melhor de Cobra Kai, um elenco de convidados de luxo (James Earl Jones e John Amos ainda dão um pezinho, Morgan Freeman pica o ponto, Trevor Noah faz a ligação entre o ontem e hoje do humor norte-americano e até há cameos ilustres, como o de Dik Mutombo) e uma exaltação da cultura afro-americana dos anos 80 que redefine o conceito de espectáculo, e que inclui um mashup das En Vogue com as Salt N Pepa, a Gladys Knight a renomear Night Train to Georgia por Night Train to Zamunda e uma interpretação performática hiper-sexualizada do Prince do hiper-sexualizado Gett Off.
Como o próprio filme refere, numa piada meta-referencial, raramente as sequelas são necessárias e Hollywood tem insistido ultimamente em faze-las sem que ninguém as queira ver. Não é propriamente o caos de 2 Príncipes em Nova Iorque, é certo. Mas apesar de não ofender a memória do primeiro, também não acrescenta nada de novo ao original. O Double Cheeseburger vale pelo seu poder simbólico, pelo que significa e por ver Wesley Snipes cheio de ginga.
Título: Coming 2 America
Realizador: Craig Brewer & John Landis
Ano: 2021