| CRÍTICAS | Judas and the Black Messiah

Ao longo das décadas, Hollywood tem prestado relativa atenção aos grandes nomes da luta pelos direitos dos negros nos Estados Unidos, com biopics de grande fôlego de Malcolm X ou Muhammad Ali, ou com episódios determinantes na luta pela auto-determinação com nomes como Martin Luther King à cabeça (lembra-se de Selma – A Marcha da Liberdade?). No entanto, Fred Hampton sempre foi uma espécie de patinho feio no meio desta luta.

O líder dos Panteras Negras, o mais importante colectivo do movimento negro dos Estados Unidos nos anos 60, teve uma vida curta, mas intensa, antes de ter sido abatido pela polícia de Chicago num raide muito duvidoso à casa onde dormia. Hampton era odiado por J. Edgar Hoover (que também tem um biopic, curioso, não é?), o director do FBI, que não queria a sua ascensão na praça pública como o novo black Messiah. Em Judas and the Black Messiah, um J. Edgar Hoover interpretado por um Martin Sheen com próteses a mais, tem nesta uma das cenas determinantes do filme, que finalmente vem trazer respeito ao legado de Fred Hampton.

É curiosa a abordagem que Judas and the Black Messiah faz ao homem e à obra, uma vez que faz de Fred Hampton uma espécie de personagem secundária da sua própria história. É que a entrada neste mundo faz-se através de Bill O’Neill (LaKeith Stanfield), um zé-ninguém que acaba recrutado pelo FBI, torna-se agente infiltrado nos Panteras Negras e vai fazendo jogo duplo até acabar por ter um papel decisivo no episódio que culmina toda a esta história. Daí o título bíblico do filme. Se um é o black Messiah, o outro tem que ser Judas, pela forma como o traiu.

Judas and the Black Messiah é assim um Donnie Brasco, mas mais complexo. A personagem de Bill O’Neill é bem mais problemática que isso e nunca se consegue decidir. Por um lado, vai fazendo o que o FBI lhe manda, por amor ao dinheiro que lhe permite finalmente ter o nível de vida que achava justo; por outro, sente-se cada vez mais próximos de Hampton e dos Panteras Negras, revendo-se nos seus actos, ideias e pertinência para a vida social das ruas norte-americanas. No final, o realizador Shaka King tem a inteligência de inserir imagens reais da única entrevista que Bill O’Neill deu, décadas depois, para um documentário televisivo sobre o caso, e em que ele confessa não se sentir nem culpado nem traidor. E, no próprio dia que o documentário estreou na televisão americana, O’Neill cometia suicídio.

É certo que Judas and the Black Messiah nunca explora como devia de ser esta problemática existencial, até porque Shaka King tem outras coisas importantes para cumprir. No caderno de encargos está todo o contexto sócio-político dessa década de luta pelos direitos dos afro-americanos nos Estados Unidos, no pós-morte de Malcolm X e Martin Luther King. E o filme consegue ir a todas, cumprindo com distinção e não deixando grandes pontas soltas por atar. Nesta parte ajuda ter Daniel Kaluuya na pele de Fred Hampton, que lhe consegue incarnar a oratória, o carisma e a presença. No final, faltava ao filme um pouquinho mais de foco, para que o McChicken fosse o menu completo, com acompanhamento, bebida e, quem sabe, sobremesa.

Título: Judas and the Black Messiah
Realizador: Shaka King
Ano: 2021

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