Quem nunca quis furar os olhos com uma esferográfica durante um filme que atire a primeira pedra. É esse o conceito de The Ring – O Aviso, o filme em que, quem assiste uma misteriosa VHS com um filme artsy fartsy, morre passado sete dias. Quer dizer, não é bem essa a ideia, mas de início parece. E sentimo-nos solidários com eles.
No fundo, o que The Ring – O Aviso está a fazer é alertar-nos para essa caixinha diabólica chamada televisão, onde as ameaças, o lixo, a propaganda e a mentira (e, na altura, ainda nem havia fake news, vejam bem) é disseminada como doenças, que se alastram pela população como um vírus contagioso (e, na altura, também não havia covid). Daí que Gore Verbinski carregue nos tons neutros durante todo o filme, estando sempre de noite ou a chover: as condições meteorológicas perfeitas para ilustrar a modorra das nossas vidas entediantes e aborrecidas. Ou então aquele plano-súmula, em que Naomi Watts espreita pela janela do seu apartamento e as janelas do prédio em frente, todo ele igual, são como ecrãs de televisão. Até há um vizinho que observa de volta, com a pena partida, para que a referência a Janela Indiscreta seja totalmente devolvida.
Há então uma cassete VHS misteriosa (sim, The Ring – O Aviso passa-se no tempo desse artefacto obsoleto chamado cassete de vídeo) e quem a vê morre passado sete dias. Naomi Watts é uma jornalista implacável, daquelas que quando ferra o dente numa história nunca mais a deixa, que vai descobrir rápido demais os indícios dessa história mirabolante, que já sacou a vida a uma prima, numa cena inicial que joga magistralmente com o suspense de um slasher movie sem ser um slasher movie.
Rapidamente The Ring – O Aviso dá o salto para uma história de fantasmas, bem menos interessante que essa metáfora da televisão enquanto fonte do Mal. Naomi Watts e o namorado, Martin Henderson, têm que descobrir o que se passou com uma jovem desaparecida, para que o seu fantasma possa ir descansar e deixar de assombrar os vivos. O plot é tão confuso que Watts tem que explicar bem detalhadamente cada passo que dá. E, mesmo assim, há coisas que não fazem muito sentido. Mas o pior são mesmo as decisões totalmente absurdas que a sua personagem toma mais do que uma vez durante o filme. Prova nº1) roubar a VHS em causa quando esta era gratuita *emoji do bonequinho a encolher os ombros*.
Gore Verbinski não se limita a ser um mero ilustrador e monta um filme com identidade, mas que se afunda num argumento que, às tantas, se encurrala a ele próprio dentro de uma sala sem saída. E, no final, regressa novamente à ideia da televisão, num plot twist desnecessário, mas que tem alguma piada por ser extremamente cruel. The Ring – O Aviso é um cruzamento entre o O Fenómeno e o Vai Seguir-te, que serviu ainda para iniciar esse flagelo do início do século que foram os remakes de Hollywood de filmes de terror japoneses. Tem o seu lugar na história, mas não é um Double Cheeseburger que queiramos rever muitas vezes. Ou, pelo menos, fora do período de Dia das Bruxas.
Título: The Ring
Realizador: Gore Verbinski
Ano: 2002
O sucesso de Ring – A Maldição e, posteriormente, de The Ring – O Aviso, levou a um dos maiores flagelos do cinema do início deste século – os remakes norte-americanos de filmes de terror japoneses – e a um caricato episódio de sequelas, remakes e spin-offs capaz de enfurecer o Angry Video Game Nerd. The Ring – O Aviso foi uma espécie de remake de Ring – A Maldição, que teve as suas sequelas, mas The Ring 2 – O Aviso já não foi uma sequela de Ringu 2. No entanto, o realizador dos dois filmes japoneses é o mesmo de The Ring 2 – O Aviso, Hideo Nakata. Confusos?
Ring – A Maldição era um filme sobre uma cassete de vídeo assombrada, que quem a visse morria em sete dias, caso não a passasse ao próximo. O remake americano era-o também, mas apenas durante metade do filme. Depois era só mais um filme de fantasmas genérico. The Ring 2 – O Aviso já nem sequer se preocupa em tentar enfiar a história da cassete no argumento. Despacha-a no prólogo, com uma cena que não interessa para o resto da história, e depois abraça o ghost movie com todas as suas forças.
Hideo Nakata, que chegava a Hollywood para a sua primeira experiência ocidental, preferiu então cruzar The Ring – O Aviso com o seu outro sucesso, Águas Passadas, e enche The Ring 2 – O Aviso de… água. Aidan (David Dorfman), o filho de Naomi Watts no filme anterior, é desta vez possesso por Samara, que quer usar o seu corpo para regressar à vida, e a sua mãe tem que o impedir. Para isso vai embarcar numa investigação em que descobre tudo demasiado depressa, numa sequência de coincidências extremamente forçadas, e numa cena em que encontra Sissy Spacek, num encontro divertido entre duas gerações de scream queens, mas que não adianta nada para o filme.
E por falar em não adiantar nada para o filme, o que dizer dos veados? Há uma cena em que Naomi Watts e David Dorfman são atacados por veados, na festa do CGI, numa cena altamente inconsequente para a história do filme. Que raio quis aquilo dizer? Aliás, essa é a principal marca de The Ring 2 – O Aviso: a inconsequência do argumento. E a inconsistência, claro.
The Ring – O Aviso não era um bom filme, mas Gore Verbinski ainda lhe dava alguma atmosfera e experimentava um par de ideias próprias. The Ring 2 – O Aviso, ao contrário do antecessor, que era um filme extremamente negro e sombrio, marcado pela chuva e pela noite, é altamente solar e brilhante, limitando-se apenas a explorar os mecanismos do filme de sustos. Mas nenhum deles funciona. A surpresa, hein? Que Hamburga de Choco para esquecer.
Título: The Ring Two
Realizador: Hideo Nakata
Ano: 2005