O realizador Remi Weekes também já devia estar cansado que os filmes de casas assombradas se passassem sempre em mansões e palácios senhoriais e, por isso, decidiu fazer a sua própria versão. Afinal de contas, os outros 99 por cento também têm direito a viver em casas como fantasmas. Por isso, Hóspede Indesejado é a história de dois refugiados sudaneses que recebem asilo no Reino Unidok e são colocados a viver numa habitação social assombrada.
No entanto, quando começa, Hóspede Indesejado parece ser outra coisa. Primeiro, numa sequência muito despachada e com uma narrativa super-económica, parece que vamos mergulhar num daqueles dramas de faca e alguidar sobre a guerra no Sudão, com Bol (Sope Dirisu), Rial (Wunmi Mosaku) e a filha a fugirem à guerra e a soçobrarem no Mediterrâneo, num barco demasiado frágil para levar tanta gente. Depois somos introduzidos ao sistema social inglês e tememos ir entrar num qualquer processo kafkiano. Vimos o Listen e sabemos como a Segurança Social inglesa pode ser uma vilã impiedosa, mas não é bem por aí que Hóspede Indesejado vai.
Bol e a Rial (a filha não escapou com vida ao Mediterrâneo) vão então ser colocados numa casa social demasiado suja, com buracos na parede e problemas na instalação eléctrica, que faz com que a latrina do Trainspotting passe a parecer um lar agradável. Além disso, ficam instalados num bairro demasiado… branco, em que têm que enfrentar sempre o olhar ameaçador e/ou curioso dos vizinhos, especialmente a velha do apartamento ao lado, que parece passar a vida à janela a fumar.
Entretanto, vozes e estranhas aparições começam a acontecer à noite e rapidamente mergulhamos completamente no filme da casa assombrada. No entanto, Remi Weekes manipula os símbolos do género com uma confiança absoluta, de quem sabe que tem algo para dizer e uma visão nova para redefinir o género. É atmosférico o suficiente para criar uma identidade própria e não tem medo de ser gráfico e de revelar os seus monstros, sem desarmar os mecanismos de sustos que mantém as acenas nocturnas no fio da navalha.
Sabemos que, nos melhores filmes do género, o paranormal é sempre uma metáfora para mais qualquer coisa. Desde a primeira vez que vimos a casa onde Bol e Rial vão ser colocados que pensamos que os fantasmas vão servir como crítica ao racismo sistémico e estrutural da sociedade inglesa. Mas não. Quer dizer, também está lá, mas Hóspede Indesejado é mais um filme sobre o sentimento de culpa (que nos é revelado finalmente num twist final, quando o filme faz um flashback mais longo que complementa a curta cena de abertura) e sobre o choque cultural, que vai abalar aquele casamento. Integraçaõ e inclusão versus assimilação, é esta a grande temática de Hóspede Indesejado. No final, o filme saca um McBacon extremamente sólido, que faz lembrar as novas visões fantasmagóricas de título como Aurora ou Atlantique, filmes que, tal como este, parecem surgir meio deslocados e perdidos na Netflix.
Título: His House
Realizador: Remi Weekes
Ano: 2020