O biopic é um género estabelecido há tanto tempo em Hollywood que, às vezes, até nos esquecemos que certos filmes existem. Eu, pelo menos, tenho muitas vezes de me esforçar para me lembrar que existe o Elvis, do Carpenter, por exemplo. Ou mesmo O What’s Love Got To Do With It, sobre a Tina Turner. E há umas semanas atrás foi necessário ver Estados Unidos vs. Billie Holiday para me lembrar que já havia Destino de Mulher, com a Diana Ross a fazer de Billie Holiday.
Tal como a própria Billie Holiday, que teve um papel fundamental na emancipação da comunidade negra nos Estados Unidos pela igualdade de direitos (foi, entre muitas outras coisas, a primeira afro-americana a cantar com uma orquestra de brancos), também Destino de Mulher foi um filme importante, por ter sido o primeiro biopic sobre uma personalidade negra a ser nomeado ao Oscar. Nesse caso Diana Ross, que na altura era a artista do momento (com artigo definido em itálico e tudo). A Motown, que era a sua editora, produziu o filme, Ross dava o salto para o grande ecrã para capitalizar o crédito acumulado e era recompensada com a nomeação ao Oscar, aclamada pela crítica. Só que não. Em Diana Ross tudo é overacting e excesso de dramatismo, que pode ajudar ao tom melodramático do filme, mas que não tem nada de espectacular. Se a tivesse conhecido em 1972 teria-lhe dito logo, miúda, não deixes o teu outro trabalho.
Destino de Mulher não começa, contudo, como um filme biográfico. Pelo menos aparentemente. Em tons de film noir, com música misteriosa por trás, acompanhamos Diana Ross – ou seja, Billie Holiday – a ser levada para a prisão, depois de identificada e fotografada. Está num estado lastimável e, quando a metem numa cela almofadada, hão de lhe dar também um casaco muito apertadinho. É então que Holiday surta e se atira contra as paredes, como se tivéssemos num giallo italiano. Para quem conhece minimamente a vida de Billie Holiday sabe que a adição à heroína foi a sua perdição e o que a levou à prisão. Para quem não sabe, o filme recua em flashback até à infância da cantora, para nos contar a sua vida e obra.
Saltamos então para quando Billie Holiday não tinha ainda 15 anos, mas que já era interpretada por Diana Ross(!), e atravessamos todo um périplo de pobreza, casas de alterne e, mais tarde, cabarés, onde começou a cantar. Tudo isso – o sexo, a noite, a música… – foram os elementos formadores da sua pessoa e Destino de Mulher não falha um, percorrendo todos os clichés do género de forma muito esquematizada. Depois, com a ajuda de Richard Pryor, que não podia ser um arquétipo maior (nem sequer tem nome, há de ser durante todo o filme o Piano Man), lá começa a cantar num bar à noite, onde a voz única a atiram para os braços de Louis McKay (Billy Dee “Lando” Williams), um gangster wannabe que aqui é retratado como um anjo na Terra.
Destino de Mulher é um biopic tão esquemático, quanto datado. É certo que não procura suavizar a descida de Billie Holiday à adição da droga, mas as outras questões passam quase todas ao lado, por vezes em tangentes que não chegam sequer a tocar no filme. É o caso do tema do racismo, por exemplo, que não pode ser desassociado da carreira de Billie Holiday. Em Destino de Mulher este limita-se à cena que inspiraria a cantora a escrever Strange Fruit, essa cantiga fortíssima sobre corpos pendurados em árvores como estranhos frutos e que a fariam ser perseguida pelo FBI até aos seus derradeiros dias, depois de ter assistido a um linchamento durante uma tour pelos Estados Unidos sulista. O realizador Sidney J. Furie filma essa parte quase como uma uma cena retirada de um filme europeu e depois mete Holiday novamente no autocarro, rumo ao próximo concerto. Tema arrumado. Passa ao próximo.
Para um biopic sobre Billie Holiday, Destino de Mulher tem também muito pouca música. Diana Ross pode não soar a Holiday, mas isso nem sequer era muito importante, porque estamos ali para ver a primeira, não a segunda. Mas Destino de Mulher foca-se sobretudo em Ain’t Nobody Business, que toca cena sim cena não, e tudo o resto é apenas decorativismo. Destino de Mulher é, em geral, um filme que envelheceu mal. Além disso, Diana Ross não é actriz para este papel, Richard Pryor está ali a contar piadas sem se perceber bem porquê e apenas Billy Dee Williams dá alguma dignidade aquilo tudo. O Cheeseburger vale por ter sido o primeiro filme biográfico da primeira grande artista negra, mas é um pastelão meio esquecível.
Título: Lady Sings the Blues
Realizador: Sidney J. Furie
Ano: 1972