| CRÍTICAS | Os Filhos da Terra

É sabido que Stephen King gosta de repetir temas, tem obsessão por certos elementos e interliga as suas histórias quase todas, como se tivesse o seu próprio universo – uma espécie de stephenkingsverse. Por isso, quem viu recentemente na Netflix o In The Tall Grass sabe que o Mestre do Terror tem um carinho especial por milho. No entanto, a primeira vez ele nos guiou pelo interior dos milharais até às profundezas do terror cósmico lovecraftiano foi em 1984, com Os Filhos da Terra.

A abertura de Os Filhos da Terra é gloriosa. Numa terriola perdida (e fictícia) algures no interior norte-americano, uma criança (Robby Kiger) conta-nos como tudo começou (mais outro elemento muito presente no corpo de obra de King, a utilização do narrador): certa manhã, no diner local, os miúdos da terra trancaram a porta envenenaram o café e cortaram a garganta a todos os adultos que ainda respiravam. Toda a gente sabe que não há nada mais perturbador que crianças maléficas (apenas talvez saloios mauzões) e o realizador Fritz Kiersch faz questão que esta cena inicial seja bem sangrenta.

O mentor desta revolta juvenil é Isaac (John Franklin), um miúdo assustador com cara de adulto (plot twist, John Franklin tinha, na altura, 26 anos(!)) e lábia de pregador, que instaura no lugarejo uma seita pagã adoradores de milho(!), que parece ter saído directamente de O Sacrifício (e, posteriormente, o Midsommar – O Ritual veio aqui influenciar-se também). Isaac é claramente o melhor de Os Filhos da Terra, mas Kiersch – numa das várias más decisões que terá ao longo de todo o filme – não só quase não lhe dá tempo de antena, como ainda eleva a macho alfa do pedaço outro miúdo (Courtney Gains). A história haveria de provar que Fritz Kiersch estava errado; em Os Filhos da Terra VI, John Franklin regressa 15 anos depois para a sua merecida vingança.

Entretanto, guiados pela vontade sobrenatural do milharal, há de chegar ao lugarejo um jovem casal (uma jovem Linda Hamilton e Peter Horton, um médico que há de ter que confrontar a sua racionalidade com as manifestações sobrenaturais, em mais uma dicotomia muito querida a Stephen King, o confronto entre ciência e superstição), que vestirão a capa de heróis da contenda e irão terminar com aquela seita de adoradores de milho.

Durante quase uma hora, Hamilton e Horton hão de vaguear pelas ruas desertas e pelas casas abandonadas cobertas de milho ou fugir de miúdos tão maus actores quanto violentos. Por isso, quando Linda Hamilton é crucificada numa cerimónia pagã extremamente icónica já ninguém tem paciência para aquilo. Até porque, logo de seguida, entrarão em cena os efeitos-especiais altamente datados – a tal parte lovecraftiana, que normalmente arruina as boas ideias dos filmes de King – e aí só se aguenta o resto em fast forward. Os Filhos da Terra tem um par de momentos memoráveis, mas o resto é só encher chouriços. E um mau encher de chouriços. No entanto, de todos os livros adaptados ao cinema de Stephen King (e são muitos, nunca ninguém os conseguiu contar todos…), Os Filhos da Terra é aquele que teve mais sequelas, remakes e reboots. Ao todo, já vamos em 10 filmes! Agora pensem.

Título: Children of the Corn
Realizador: Fritz Kiersch
Ano: 1984

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