Hollywood, no seu comportamento devorador de toda a fórmula minimamente vencedora, sempre adorou vampirizar os musicais da Broadway, até porque esse sempre foi um género com tradição daquele lado do Altântico. Por isso, os exemplos são vários e se os quisesse contar pelos dedos das mãos, precisaria de uma mão mutante com uma boa dezena deles. Ora vejamos: Hairspray, Chicago, Brilhantina ou West Side Story, que está a ser refeito por Steven Spielberg neste momento.
Ao Ritmo de Washington Heights é o mais recente exemplo a integrar esta lista, adaptando ao grande ecrã o espectáculo homónimo de grande sucesso de 2008 de Lin-Manuel Miranda. O filme é um daqueles musicais de grande fôlego e exuberância, em que os actores desatam a cantar a todo o momento, substituindo os diálogos por coreografias de grande escala e com dezenas de extras. Ou seja, um daqueles musicais que espanta imediatamente metade do público, sem paciência para cantorias, mas que agarra os outros tantos, que não conseguem parar de bater o pé.
Como o título indica, o filme passa-se em Washington Heights, o bairro norte-americano caracterizado pela sua grande comunidade latina, nomeadamente caribenha. E, como o próprio filme diz logo de início, as suas ruas eram feitas de música. Por isso, os ritmos latinos, a salsa, o calipso, o bolero, mas também os ritmos urbanos com o hip-hop e o r&b à cabeça enchem o filme, em sequências de grande fôlego, que não têm medo de se expandir além do que é costume no cinema do género. Isso resulta em mais de duas horas e meia de Ao Ritmo de Washington Heights, mas é tudo tão leve, fresco e animado que nem damos pelo tempo a passar.
O filme é assim um grande fresco deste bairro, onde apesar de haver várias personagens, elas funcionam mais por arquétipos do que por personagens a sério. Usnavi (Anthony Ramos), cujo nome é como o daquele brasileiro que o pai era fã da marinha americana, é a figura pivoteante sobre as quais giram todas as outras. Ele é o dono de uma loja de conveniência, que se estafa a trabalhar para juntar os trocos suficientes para ir para a Republica Dominicana natal cumprir o sonho do pai e continuar o seu negócio de um bar na praia. É ele quem conta a história de Washington Heights aos filhos, num flashback de trás para a frente, como se fosse o Foi Assim Que Aconteceu versão latina e com música,
Depois gravita à sua volta Vanessa (Melissa Barrera), por quem está enamorado, uma aspirante a estilista que não tem dinheiro para seguir academicamente a sua vocação; Nina (Leslie Grace), a única do bairro que conseguiu ir para a universidade, mas que tem dificuldades em lidar com a pressão dos outros (e com o racismo sistémico com que choca fora do bairro); a avó Claudia (Olga Merediz), a matriarca da comunidade, uma cuidadora e provider daquela gente toda; e mais uma série de figuras, entre a cabeleireiras coscuvilheiras, que servem para falar (por alto, atenção, porque o que realmente aqui interessa é cantar e dançar) de racismo, gentrificação e descriminação social.
As canções são boas e nenhum musical se aguenta sem boas cantigas. Isso é meio caminho para Ao Ritmo de Washington Heights se aguentar até ao final. Contudo, é um filme apenas para fãs do género, até porque se esperava mais do realizador Jon M. Chu, que vem do mundo dos telediscos e até tem na filmografia o Step Up 2. Este limita-se a ilustrar as coreografias de forma mais ou menos tarefeira, faltando o golpe de asa para algo mais arrojado ou imaginativo, como um, sei lá… La La Land? Toma-se o Double Cheeseburger, mas com moderação e mastigando bem, para não embaçar.
Título: In The Heights
Realizador: Jon M. Chu
Ano: 2021