| CRÍTICAS | Mar de Chamas

O início de Mar de Chamas é bem capaz de ser o mais cruel e trágico de toda a história do cinema. Uma criança (que, quando crescer, vai vir a ser o William Baldwin) acompanha o pai, bombeiro, numa saída até a um prédio em chamas. Com uma música triunfal e bandeiras defraudadas ao vento, enquanto águias cruzam os céus em celebração orgásmica, o pequeno petiz observa o pai a saltar de varanda em varanda e a salvar vidas, enquanto a população na rua chora de emoção e ainda arranjam tempo de o parabenizar pelos feitos do pai. Até que, subitamente, uma fuga de gás faz o prédio explodir. A música triunfal de Hans Zimmer dá lugar aos violinos, as pessoas calam-se e o chapéu solitário do que restou do pai da criança cai-lhe aos pés, que ele recolhe com os olhos cheios de lágrimas.

Ficamos então introduzidos a Mar de Chamas, aquele que é o maior filme de sempre sobre bombeiros e que continua a ser responsável por que muita gente siga a carreira junto dos soldados da paz. Depois desse prólogo trágico, saltamos vários anos à frente, até ao exacto momento em que William Baldwin já é crescido, está a acabar de tirar o curso de bombeiro e acabará colocado na companhia liderada pelo irmão mais velho, o carismático e heróico Kurt Russell (e que também era a companhia do pai).

Acabaremos por perceber que, ao contrário de Kurt Russell, que seguiu logo o chamamento genético e repetiu as pegadas do pai, conquistando o respeito dos seus semelhantes, Baldwin andou por outras estados metido em negócios que falharam todos, voltando agora para cumprir o destino em vez de o tentar combater. Não é, por isso, o retorno do filho pródigo, mas antes o retorno do filho que se viu obrigado a regressar depois da vida o esbofetear vezes seguidas até ele perceber a mensagem.

Mar de Chamas é então o filme sobre dois irmãos que mantém uma relação de amor e ódio, que finalmente vão ter que resolver as diferenças porque só assim vão conseguir encontrar paz nas suas vidas pessoais e familiares. Se isto fosse uma obra russa, falaríamos de hereditariedade e consanguinidade, mas como é o Ron Howard o realizador já sabemos que vai estar tudo envolvido na capa do blockbuster. Contudo, ao contrário da maioria dos filmes-pipoca, este tem mais para dizer do que meras explosões de encher o olho (e aqui não há CGI, é tudo analógico e feito com fogo a sério). As personagens são tridimensionais, o drama humano é palpável e o conflito vai ser constante.

Entretanto, ali a meio do filme, Russell tanto faz a cabeça em água ao irmão que este acaba por ir trabalhar para Robert de Niro, outro ex-bombeiro que agora investiga se os incêndios são fogo posto ou não. E aí começa um novo Mar de Chamas, aquele em que os bombeiros vão ter que enfrentar um pirómano sem escrúpulos e com grande conhecimento de como o fogo se comporta, já que usa uma técnica difícil de detectar, conhecida como backdraft, o título original do filme.

Vai haver subplots com políticos corruptos, uma cena de sexo entre William Baldwin e Jennifer Jason Leigh no topo de um carro de bombeiros que faz lembrar aquela cena da chaimite no Capitães de Abril e um aparição breve de Donald Sutherland, mas que faz ganhar o filme, na pele de um pirómano louco preso para a vida, que está para Mar de Chamas assim como o pedófilo de Steve Buscemi está para Con Air – Fortaleza Voadora. Mar de Chamas tem tantas camadas que nem um realizador a sério conseguiria organizar melhor o Double Cheeseburger (coitado do Ron Howard, até é um cineasta simpático, não merecia ser trashado desta forma nesta última frase).

Título: Backdraft
Realizador: Ron Howard
Ano: 1991

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