O documentário Grey Gardens, realizado em 1975, é um monumento cinematográfico que, 50 anos antes, abriu a porta ao cinema do real que agora está tão na moda e introduziu na cultura popular duas personagens trágicas, que de tão inacreditáveis que eram, só podiam ser mesmo reais: Edith Beale e a filha, duas aristocratas caídas na miséria que vivam no meio da pobreza, dos gatos e da ruína protegidas pela ilusão de que estava tudo como antes.
Em 2009, a HBO – que foi uma percursora da Netflix ao abrir as portas da televisão para as produções cinematográficas de qualidade – apresentava Grey Gardens, o filme, ficção que vinha cumprir um importante papel no imaginário da família Beale – o de preencher os buracos e as partes em branco, que o formato do documentário não permitia.
Assim, Grey Gardens filme começa por utilizar o Grey Gardens documentário como ponto de partida. Drew Barrymore e Jessica Lange transformam-se em Edith Beale mãe e filha de forma tão assustadora quanto o realizador Michael Sucsy recria o documentário dos manos Maysles. Chega a ser perturbador ver esta nova versão de Grey Gardens, de cenas que já conhecemos, mas agora de outro ângulo ou mesmo para lá do enquadramento que já conhecíamos. E depois utiliza o flashback para recuar no tempo e escrever a parte da história que, no documentário, fica apenas nas entrelinhas.
Mas quem foi então Edith Beale mãe e filha? Para quem não viu o documentário, aqui fica uma descrição resumida. Familiares de Jackie Kennedy – que aqui é interpretada por Jeanne Triplehorn, numa cena que serve de ajuste de contas entre o documentário e a realidade -, caíram na miséria, mas sempre se recusaram a sair da mansão vitoriana onde sempre viveram, Grey Gardens. Refugiadas na ilusão de que estava tudo bem, transformaram-se em horders que vivam rodeadas de gatos e guaxinins, alimentando-se de whiskas saquetas e relacionando-se numa passivo-agressividade cheia de recalcamentos nada saudáveis.
O problema de Grey Gardens filme é que só funciona para quem viu Grey Gardens documentário. Quem começar por ver a ficção talvez vá ficar com curiosidade de ir ver o documentário, mas sem ver esse não irá nunca entender o alcance do filme. Até porque, enquanto obra de ficção, há muita coisa que deixa a desejar. É giro ver a reconstituição de época da alta-sociedade norte-americana da primeira metade do século XX, mas Michael Sucsy exagera no melodrama vezes a mais. E a cena final, cheia de violinos a forçar o tearjerker, chega a ser desconfortável (e não vamos falar da cena pós-créditos, que cai na esparrela do sensacionalismo gratuito, algo que tanto documentário quanto o filme sempre tiveram o bom-senso de evitar). Por isso, já sabem: McBacon, mas só em conjunto com o documentário, ok?
Título: Grey Gardens
Realizador: Michael Sucsy
Ano: 2009