A única coisa boa que melhorou na carreira de Jean-Claude Van Damme à medida que foi envelhecendo foi a capacidade de se rir de si próprio. Desde o meta-JCVD que o Muscles from Brussels tem alternado straight-to-video action flicks, onde continua a perpétua o seu arquétipo de herói de acção, com comédias brega, cameos em que faz de si próprio e alguns títulos em que não se importa de fazer troça de si mesmo.
O Último Mercenário, produção francesa da Netflix que acaba de estrear, é uma mistura dessas três facetas: uma comédia brega, em que Van Damme faz simultaneamente troça de si mesmo, enquanto perpetua o arquétipo de action hero. Aliás, podemos mesmo dizer que O Último Mercenário está para o belga assim como O Último Grande Herói está para Arnold Schwarzenneger, exageros à parte. É que a personagem de Van Damme é feita de superlativos: um super-agente especial, que trabalha por conta própria desde que foi dispensado pelo governo francês, que é capaz de matar exércitos com um cotonete e, literalmente, efetuar cirurgias ao coração no meio da selva apenas com canas de bambu(!). E comer a mulher do secretário de Estado que está a gerir isto tudo(!!).
Van Damme, que é conhecido pelo cognome A Bruma (e cuja reputação o precede, basta o seu nome ser pronunciado para criar pele de galinha tanto nos inimigos, como nos próprios amigos), tem que regressar à sua França para inocentar o seu filho (Samir Decazza), que abandonou quando era pequeno depois do tal berbicacho que levou ao seu afastamento das forças armadas francesas. O filho está envolvido num complicado caso de troca de identidades com um perigoso traficante de armas viciado no Scarface – A Força do Poder, mas tudo isto não é mais do que um pretexto para montar um drama de reconexão entre pai e filho.
Tudo isto é baralhado numa misturadora a cem à hora, mas o realizador David Charhon descuidou-se quando estava a adicionar os ingredientes e abusou do humor brega. E, ainda por cima, o pior do humor francês não é muito diferente do pior do humor português. Ou seja, muita gritaria, muita careta a seguir às piadas que é para o público saber quando rir (porque partem do pressuposto que, quem vai achar graça aquilo, é porque tem trissomia 21), muita escatologia, humor físico (mas em maus) e, claro, nudez masculina.
Mesmo assim, O Último Mercenário tem momentos giros. As meta-referências de Van Damme, em que ele recria a dança de Golpe de Vingança ou quando olha para o cartaz de Força Destruidora e elogia o actor ou, inesperadamente, as coreografias de pancadaria. Tem ainda uma bela perseguição automóvel, com Dom nos pedais e Van Damme no volante, que faz lembrar um Cegos, Surdos e Loucos em esteróides.
O Último Mercenário precisava ali de uma releitura de guião, para cortar as gorduras em excesso, reduzir o elenco e contratar um realizador de jeito para ser positivo. No entanto, não é totalmente inútil. Um Cheeseburger, nestas situações, chega mesmo a ser elogioso.
Título: Le Dernier Mercenaire
Realizador: David Charhon
Ano: 2021