Existem transferências que despertam paixões inflamadas, quando jogadores trocam os seus clubes pelos directos rivais. O caso mais mediático continuará a ser, provavelmente, o de Luís Figo, que saiu do Barcelona para ir reforçar o rival Real Madrid, continuando a ser visto como um traidor e um pesetero até aos dias de hoje. Da primeira vez que foi jogar ao Camp Nau, os adeptos apuparam-no sempre que tocou na bola e atiraram-lhe os mais variados objectos, incluindo… a cabeça de um leitão(!).
Se o cinema fosse futebol, James Gunn era Luís Figo, o Barcelona era a Marvel e a DC era o Real Madrid. A diferença é que, aqui, Gunn não saiu de livre vontade. Foi despedido pela Marvel, depois de uns tweets antigos terem sido desenterrados, trazendo a públicos umas piadas inconvenientes provocadoras. De repente, o realizador de Guardiões da Galáxia, um dos mais bem sucedidos e particulares filmes de super-heróis da Marvel estava disponível e a DC não fez rogada. Dunn trocou de camisola e tornou-se no ponta-de-lança titularíssimo dos filmes da DC, que continua a ter dificuldades em encarreirar uma sucessão de bons resultados.
James Gunn foi agarrar na Task Force X que é muito idêntico aos seus Guardiões da Galáxia, para fazer uma espécie de sequela-reboot do desapontante Esquadrão Suicida. A Task Force X é uma equipa de super-vilões convocados pela agente federal Viola Davis, em nome do Governo norte-americano, para resolverem situações particularmente perigosas e delicadas, recebendo em troca o perdão das suas penas. Ou seja, tal como os Guardiões da Galáxia, que são mercenários que actuam em troca de dinheiro, também estes são anti-heróis que acabam por ter de salvar o dia. E, tal como os Guardiões da Galáxia, também há aqui uma criatura desmiolada (um tubarão gigante(!) em vez de uma árvore com pernas(!!)), com a voz de um actor conceituado (Sylvester Stallone em vez de Vin Diesel) e um lutador da WWF (John Cena em vez de Dave Bautista).
Um dos grandes problemas de Esquadrão Suicida era a desproporcionalidade dos personagens. O mau era um deus maligno e a equipa convocada para o destruir eram uma uma tipa de cuecas e de taco de basebol, um gajo que atira boomerangues, outro tipo que escala coisas(!) e um crocodilo humano(!!). Ao começar, O Esquadrão Suicida não parece melhorar muito o cenário. Desta vez há um tipo com capacidade para transformar qualquer objecto numa arma mortal (Michael Rooker), mas com ele vai a mesma tipa de cuecas (agora sem taco de basebol), um gajo que consegue projectar os braços(!), outro com um pau muito grande(!!) ou uma doninha(!!!). A parte boa é que não há cá introduções, como aquele início de novela que nunca mais acabava, no filme de David Ayer. Os maus são agarrados por Viola Davis e despejados em cinco minutos ao largo da ilha Corto Maltese, onde são esperados pelo exército local.
No entanto, [SPOILERS] com um salto narrativo (hão de haver mais, sempre com uns intra-títulos integrados no cenários muito imaginativos), James Gunn mostra-nos que estes são só carne para canhão, porque a verdadeira Task Force X é a que acompanha o coronel Rick Flag (Joel Kinnaman), no outro lado da ilha. [/SPOILERS] Aqui o destaque vai para Idris Elba (o mortífero Bloodsport), John Cena (como o próprio definiu, uma versão babaca do Capitão América) e a portuguesa Daniela Melchior, a quem é entregue a parte emocional do grupo, se bem que abusa da faceta damsel in distress. O objectivo é, aproveitando o golpe de estado que houve naquela ilha sul-americana, perceber o que está na antiga torre nazi de Jotunheim e, quiçá, destrui-la.
Sabemos como é o estilo de James Gunn: muita música rock, humor e despreocupação. Mas aqui tem carta branca para fazer o que quer e, por isso, há ainda gore com fartura, muitas piadas parvas e liberdade para se perder em subplots que às vezes não servem para nada, como o de Harley Quinn (Margot Robbie) com o recém-presidente de Corto Maltese (felizmente, não há aqui qualquer sinal do Joker de Jared Leto). Há ainda o kaizu mais fofinho do cinema desde o Stay Puft de Os Caça-Fantasmas e um cameo de Lloyd Kaufman, que nos faz recordar que Gunn começou na insana Troma.
De facto, vê-se que James Gunn não se divertia tanto desde Slither – Os Invasores, o filme com que se estreou. O problema é que se diverte tanto, que às vezes já é só ele que se está a divertir. Não é grave, O Esquadrão Suicida continua a ser muito fun de se ver e as suas duas horas e pouco passam num instante, com gargalhadas pelo meio e um par de esgares de nojo (o gore é mesmo muito). E que outro realizador tem tomates para telefonar a Sly e convida-lo para dar voz a uma personagem que é um tubarão gigante com dad-bod e dois neurónios? O McCkicken é mesmo melhor do que parece.
Título: The Suicide Squad
Realizador: James Gunn
Ano: 2021