Se há tipo que eu não suporto no cinema é Larry Clark. Com Miúdos criou uma espécie de cinema sensacionalista e oportunista, apoiado no choque fácil e gráfico, que continuou a reflectir-se na sua filmografia (por vezes mais timidamente, é certo), e, pior ainda, degenerou numa série de filmes parecidos (alguém mencionou Treze – Inocência Perdida?). Por isso, nunca liguei a Harmony Korine, o argumentista de Miúdos com carreira também em nome próprio. Mas desde que passou a ser um realizador celebrado, com Viagem De Finalistas, que decidi dar-lhe uma chance.
Gummo foi o seu primeiro trabalho, um filme esquisito e diferente, que inclui tortura em animais (gatos afogados, gatos chicoteados, gatos mortos de todas as maneiras e feitios) ou sexo com deficientes, por exemplo. Além disso, não é um filme com uma linha narrativa convencional, com princípio, meio e fim, mas antes uma colecção de momentos, sem estarem necessariamente ordenados cronologicamente, mas comunicando entre si de qualquer forma (a maior parte das vezes apenas de maneira sensorial). Por isso, Gummo tem tudo para o detestarmos. E, no entanto, fascina-nos imensamente.
O fascínio começa logo pelo seu aspecto, cheio de cores saturadas e misturadas com home videos, que não percebemos se são reais ou falsos. Se forem verdadeiros, é assustador; se forem falsos, é igualmente assustador. Parece Tarnation pelo lado biográfico, realista e extremamente pessoal com que capta as suas personagens. Gummodebruça-se sobre a fauna muito particular de um subúrbio qualquer do interior dos Estados Unidos, que fazem o pessoal de Parada De Monstros parecerem normais: white trash cheios de mullets e sinais de gerações e gerações de incesto, deficiente com trissomia 21, anões e uma colecção interminável de freaks.
Uns matam gatos, outras tentam aumentar as mamas com fita-cola (a novinha Chloë Sevigny outra vez de peito à mostra), outros andam para ali vestidos de coelho e tocar acordeão… Parece tudo aleatório, mas é extremamente perturbador, seja pelo ambiente criado, seja pelo nível de realismo do filme. Basta ver a mais famosa cena do filme, celebrada por Werner Herzog, em que Darby Dougherty toma banho numa água fétida, ao mesmo tempo que come um prato de esparguete e a mãe lhe esfrega a cabeça. Um elogio do grotesco, que degenerou em coisas como Taxidermia, e que faz com que Gummo seja mais assustador do que qualquer filme de terror que ande por aí. Gummo passa com distinção o teste e, com ele, tornamo-nos fã de Harmony Korine. Isso pode mudar com Viagem De Finalistas, é certo, mas até lá deixem-me terminar de comer este Le Big Mac.
Título: Gummo
Realizador: Harmony Korine
Ano: 1997