| CRÍTICAS | A Mulher à Janela

Mal começa, A Mulher à Janela – um filme sobre uma mulher (Amy Adams) que sofre de agorafobia e que não sai de casa há 10 meses – tem logo uma referência directa a Janela Indiscreta (e há de haver mais piscadelas de olho a Alfred Hitchcock, com A Casa Encantada, e ao Laura, de Otto Preminger), mas por mais que se tente ninguém vai conseguir desassociar o novo filme de Joe Wright com o momento em que vivemos. Afinal de contas, apesar de ter sido feito muito tempo antes (numa produção atribulada, com test screens confusos que levaram a produtora a exigir mudanças no filme e, consequentemente, ao adiamento da estreia), A Mulher à Janela estreou na Netflix em pleno confinamento, o que levou a inevitáveis comparações e associações.

Claro que o confinamento teria sido muito fácil se todos vivêssemos na mesma casa que Amy Adams: um triplex no centro da cidade, onde dá para nos perdermos lá dentro. É certo que ela tem um inquilino no quarto da cave (o ex-presidiário Wyatt Russell), mas tendo em conta a quantidade de vezes que se cruzam isso nem sequer conta como problema. Amy Adams está então a tentar recuperar a sua liberdade e vai experimentar uns novos medicamentos, prescritos pelo seu psicólogo, se bem que combinados com a sua dieta forte em vinho tinto podem criar alucinações perigosas.

Adams, que também é especialista em acompanhar a vida dos vizinhos pela janela, acaba por travar amizade com a família Russell, que se muda para a casa em frente. Primeiro com o filho (Fred Hechinger) e depois com a mãe (Julianne Moore). E, no momento seguinte, assiste a esta ser esfaqueada mortalmente pelo marido (Gary Oldman). Essa é a sequência mais estranha (e também a mais interessante do filme), já que Amy Adams está a voar em alto estilo nesse momento. Por isso, nunca sabemos bem o que é real e o que não é, se bem que Joe Wright se esforça em tornar tudo ainda mais alheado, paranóico e vago.

Aliás, Joe Wright, um realizador habituado a megalomanias mais hiperbólicas (lembram-se dos longos e complicados planos-sequência de Ana Karenina?), encontra nas limitações daquelas quatro paredes muito material para inovar. Chega mesmo a criar split screens com os ecrãs do computador, do telemóvel ou da televisão de Amy Adams, em planos originais e inventivos. Depois há de acalmar, quando a polícia entra em cena e as peças do puzzle começam a não encaixar umas nas outras.

Primeiro, Gary Oldman traz lá a casa a sua mulher que, para além de estar viva, é agora Jennifer Jason Leigh e não Julianne Moore, como ela se lembrava. Depois, Fred Hechinger também não corrobora os episódios passados entre os dois. E, claro, os comprimidos e o vinho espalhados pela casa não abonam muito pela credibilidade de Amy Adams junto do polícia que lá vai a casa (Brian Tyree Henry). A Mulher à Janela começa então a tornar-se num whoddunit cada vez mais desisnpirado, até que tem que jogar o inevitável trunfo do twist final, que já todos antecipámos há muito tempo atrás.

O último acto de A Mulher à Janela chega então quando já não estamos interessados e faz com que o final do filme se torne sofrível, mas por respeito aos actores (e a uma mão cheia de secundários de respeito, que passam sem se demorar pelo ecrã, com excepção ao overacting de Gary Oldman que enche o filme e continua a ecoar já depois dos créditos finais rolarem) levamo-lo até ao fim. Podemos olhar para A Mulher à Janela como uma homenagem actualizada a Alfred Hitchcock e dar-lhe um Cheeseburger e não falar mais no assunto, porque quanto mais pensarmos nele, pior ficam as nossas conclusões.

Título: The Woman in the Window
Realizador: Joe Wright
Ano: 2021

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