Imaginem estarem tão desiludidos e fartos de ter relações amorosas falhadas e frustrantes, que decidem desistir de vez da espécie humana e começam a namorar com uma boneca de silicone hiper-realista, daquelas que se vendem nas lojas de brinquedos eróticos. Foi mais ou menos isso que fez Ryan Gosling – ou seja, o Lars do título de Lars e o Verdadeiro Amor (uma daquelas raras excepções em que a tradução para português é melhor do que o título original) -, se bem que por motivos diferentes. É que Lars era mais um anti-social com traumas passados por ultrapassar, que de repente criam barreiras na sua mente e uma realidade alternativa, em que ele vê a boneca como uma pessoa real – Bianca, uma ex-missionária metade brasileira metade dinamarquesa, que se move numa cadeira de rodas e não come lá muito. Não é por acaso que, numa das cenas lá pelo meio, Lars apareça a ler o Don Quixote a Bianca. Afinal de contas, existe algum modelo mais cristalizado de um homem delirante a combater os moinhos de vento criados pela sua mente?
O pior de Lars e o Verdadeiro Amor é precisamente a forma como dá esse salto. Ainda o build up estava a começar e já o realizador Craig Gillespie dava um esticão no argumento, saltando directamente para esse twist: a partir de afora Lars tem uma boneca como namorada e, a conselho da sua psicóloga, todos vão embarcar no jogo (todos mesmo, uma vez que estamos numa térreola pequena e todos se conhecem na comunidade) até que a mente do próprio Lars esteja pronta a desfazer toda a ilusão.
Por sua vez, o melhor de Lars e o Verdadeiro Amor é que Bianca não é só um gimmick do argumento, sobre o qual Craig Gillespie vai depois descansar à sombra. É certo que existe um ou outro gag com a boneca, mas ela é sempre mais um mecanismo para espoletar outras coisas e fazer todos os amigos e conhecidos de Lars reflectirem sobre as suas próprias relações humanas. É o caso do seu irmão (Paul Schneider) e cunhada (Emily Mortimer), ambos à espera do primeiro bebé; uma colega de trabalho (Kelli Garner), que tem uma paixão escondida por ele; ou as várias personagens secundárias da comunidade, que acabam por complementar estas histórias de uma forma ou de outra.
Tudo isto faz com que Lars e o Verdadeiro Amor seja uma comédia agri-doce, com o coração no lugar certo e muito boas intenções, onde Ryan Gosling foge de vez ao seu papel de símbolo sexual com a sua colecção de pullovers de malha manhosos. No final, o filme revela-se precisamente sobre o significado do verdadeiro amor, como se refere acentuadamente a tradução portuguesa, gerando um McBacon adorável e fofinho.
Título: Lars and the Real Girl
Realizador: Craig Gillespie
Ano: 2007