| CRÍTICAS | Candyman

O cinema de terror sempre teve uma forte tradição activista, alinhado e alicerçado com o seu próprio tempo. Ou, pelo menos, o bom cinema de terror. Por isso, em pleno ano de 2021 do século XXI, os filmes de terror contemporâneos têm abordado temáticas em comum. Numa altura em que há uma consciência cada vez maior dos problemas da representatividade, das questões de género, o #blcklivesmatter ou o patriarcado opressor, sucedem-se os filmes sobre… a gentrificação das grandes cidades. Nada que espante. Afinal de contas, a especulação imobiliária sempre foi uma das principais ameaças utilizada como arma pelos grandes vilões dos quadradinhos.

Candyman, a sequela de O Assassino em Série que ignora todas os episódios seguintes ao filme original que são absolutamente dispensáveis (fazendo o mesmo que fez Halloween e que deveria começar a ser prática recorrente, tendo em conta a quantidade de sequelas manhosas que existem nas sagas de terror), regressa assim ao cenário original de 1992: o bairro de Cabrini-Green Homes, em Chicago. Mais um território urbano que passou pelo rolo compressor da gentrificação, normalizando a identidade urbana das cidades a favor do capitalismo massivo e galopante, e cuspindo para fora os mais frágeis. O que aqui significa sem-abrigo, pobres e, claro, a comunidade negra.

Anthony McKoy (Yahya Abdul-Mateen II) é um jovem artista plástico em ascensão e que se vai interessar pela história do bairro, especialmente pelas tragédias macabras que se foram sucedendo na zona ao longo dos anos, que pelo padrão faz parecer que existe uma maldição a pairar em Cabrini-Green. É isso que leva Candyman a O Assassino em Série, nomeadamente à personagem de Helen Lyle (Virginia Madsen) e, claro, ao próprio Candyman (Tony Todd, que é rejuvenescido digitalmente), a criatura mística que surge coberto de abelhas a quem repete o seu nome cinco vezes ao espelho.

Essa actualização de Candyman ao tema do racismo é uma conquista bem sucedida da realizadora Nia DaCosta, ou não fosse este uma produção de Jordan Peele, o homem que tem feito do racismo tema do cinema de terror contemporâneo (olá Foge, como estás Nós?). Todas as tragédias que marcaram a história do bairro Cabrini-Green são, de alguma forma, episódios ligados à violência racial e o Candyman é como se fosse uma projecção de todo esse sangue derramado e violência reprimida. Por isso, quando Anthony cria o seu primeiro trabalho e o expõe publicamente, dá-lhe o título de Say My Name, o que funciona duplamente: como auxiliar de memória para não deixar cair no esquecimento todos aqueles que morreram vítimas do preconceito racial (Janelle Monáe fez o mesmo, mas em formato canção, no seu Hell You Talmbout); e como dispositivo para entrar no mundo de Candyman, a criatura serial killer que é invocado quando o seu nome é repetido ao espelho.

Assim, este novo Candyman deixa de ser um slasher, como era toda a saga até ao momento, se bem que Nia DaCosta não descura um par de cenas mais gore, se bem que elas são sempre mais sugestivas do que gráficas. Anda mais pelos territórios do thriller psicológico, com uma mensagem social que extravasa das entrelinhas, e que utiliza uns flashbacks com sombras que faz lembrar As Aventuras do Príncipe Achmed que são bem catitas. Uma inesperada actualização de O Assassino em Série que merece mais destaque do que prevíramos.

Título: Candyman
Realizador: Nia DaCosta
Ano: 2021

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