É curioso verificar como a nova geração de realizadores portugueses tem mantido uma relação de proximidade com a memória e a família, isolada e conjuntamente, utilizando-a como corpo de trabalho da sua própria obra. A Metamorfose dos Pássaros é a prova cabal disso, mas lembro-me também de A Toca do Lobo, talvez o melhor exemplar desta temática, ou mesmo algum do cinema de Miguel Gomes. Obviamente que nada disso admira, tendo em conta que esta é também a mesma geração que finalmente começou a questionar o passado colonial português, procurando ultrapassar esse trauma e conciliando o presente com o passado.
A Metamorfose dos Pássaros é assim uma espécie de cinema experimental, que parte da memória e da família enquanto material de trabalho, fundindo documentário e ficção, sem percebermos muito bem onde termina um e começa outro (que tem sido outra das características do novo cinema português). A realizadora Catarina Vasconcelos quis fazer o luto de uma perda que teve no seu núcleo familiar e, para isso, foi contar a história da sua família, começando no avô, se bem que o que vemos não teve mesmo que ter acontecido assim.
Estamos mais no domínio da tradição oral e menos no da linguagem fílmica e, como tal, o filme é montado a partir de pequenos quadros expressionistas (e simbólicos) ensaiados pela realizadora, que têm a mesma função de que a dos dioramas em A Imagem Que Falta (curiosamente, mais um documentário que trata da memória e que tenta fazer as pazes com o passado). Tudo isto é sustentado pela palavra, outro material fundamental em A Metamorfose dos Pássaros, e por vários outros elementos, que podem ser as cartas que o avô escrevia à avó enquanto estava embarcado, um disco de vinil que a família gravou nos correios para enviar para o patriarca em alto mar ou mesmo os jornais da altura.
Essa história é indissociável do contexto social e cultural onde se desenrola e, de forma inevitável (seja por isso voluntário ou involuntário), A Metamorfose dos Pássaros acaba por ser também um filme sobre a história de um país e de um povo. Ou seja, passando do particular para o geral e vice-versa. É assim também uma história sobre o Estados Novo, sobre a colonização e sobre o Ultramar. E tudo termina com mais um diorama icónico, em que umas mãos seguram uma Flama, que tem estampado na capa Salazar Morreu.
A Metamorfose dos Pássaros é um filme sensível e emotivo, quase poético, com alguns momentos realmente tocantes, como a abertura (em que o avô Jacinto despede-se da casa onde sempre viveu) ou o momento em que acontece o tal momento de perda no núcleo familiar. No entanto, também existem momentos que parecem estenderem-se mais do que necessário, como se a longa-metragem não fosse o formato natural deste trabalho, mas antes ali a média-metragem. Esses vinte minutos a mais acabam por o tornar em momentos aborrecido, que era precisamente o que menos queríamos sentir durante todo o filme. A Metamorfose dos Pássaros é o mais premiado filme nacional de sempre e agora tem mais um galardão para acrescentar ao palmarés. Se bem que este McBacon é para se comer e não para ir para a prateleira.
Título: A Metamorfose dos Pássaros
Realizador: Catarina Vasconcelos
Ano: 2020