Ai a condição humana…
A condição humana são todas aquelas características muito próprias dos seres humanos a nível existencial, que nos tornam quem somos. Esqueçam lá a racionalidade. O que nos distingue dos outros animais é mesmo a forma como criamos macaquinhos no sótão por dá cá aquela palha. E isso tem sido matéria inflamável para todas as artes, especialmente a literatura e o cinema, que adoram reflectir sobre estas ambiguidades. Se um extraterrestre descesse à Terra para nos estudar e tentar compreender, ficaria com um nó no cérebro.
Um dos filmes mais acutilante sobre estas problemáticas existenciais do ser humano é Proposta Indecente, de Adrian Lyne. Aqui, Diana (Demi Moore) e David (Woody Harrelson) são o casal mais feliz do mundo, fiéis à máxima de um amor e uma cabana. Contudo, sem dinheiro a coisa torna-se difícil. E quando a situação começa a apertar, os dois decidem ir… ao casino (onde existem alguns dos planos mais brutais de uma mesa de dados já alguma vez feito, filmados pelo próprio Michael Bay). Excelente ideia, toda a gente sabe que os jogos de azar são o sítio ideal para resolver problemas financeiras. Assim, depois de se endividarem ainda mais, entra em cena um excêntrico bilionário (Robert Redford), daqueles que limpam o cu a notas de cem, que lhes faz uma proposta única: 1 milhão de dólares por uma noite com Diana.
O exercício é colossal e coloca em causa várias questões: até que ponto conseguimos manter-nos íntegros numa situação de crise? Conseguirá o desespero levar ao ponto de vendermos o nosso próprio corpo? Ou será que uma noite de sexo ocasional faz de uma pessoa uma vadia? As dúvidas são inúmeras e, no fundo, resumem-se a isto: orgulho, amor e respeito próprio.
Proposta Indecente é um fantástico desafio filosófico, realizado por Adrian Lyne com um embrulho bem feito, todo certinho e superiormente aprumado, com um toque clássico de um middle cinema que é cada vez mais raro e uma piscadela de olho ao thriller erótico (ou não fosse ele o realizador de Nove Semanas e Meia ou Atracção Fatal), que tenta disfarçar todas as falhas na dimensão das personagens ou do argumento. Infelizmente, nem este dom para esconder os defeitos tapam a roupa hororrosa da Demi Moore, o penteado datado do Robert Redford e a banda-sonora radiofriendly que nos faz sangrar dos ouvidos.
Com a tensão certa colocada nos ombros dos dois protagonistas, que vão alternando entre si a função de narradores (se bem que depois esta muleta narrativa ausenta-se por longos momentos), Proposta Indecente torna-se denso e sufocante nas melhores partes, mesmo com violinos épicos a irromperem em cavalgada sempre que há uma cena de sexo ou uma cena dramática. No entanto, Proposta Indecente também tem más partes. É que a partir de meio começa a pisar terrenos do drama matrimonial, até terminar na maior banhada de sempre. Não bastava um final feliz e politicamente correcto, Adrian Lyne precisou mesmo de um super-final lamechas.
Assim, o exercício coloca-se nestes modos: se tiver em conta o filme como um todo Proposta Indecente é um modesto Cheeseburger; se, por conseguinte, tiver em conta a primeira metade do filme e especialmente a sua premissa, então vale um belo de um simpática Double Cheeseburger.
Título: Indecent Proposal
Realizador: Adrian Lyne
Ano: 1993