| CRÍTICAS | O Lado Oculto da Lua

O paradoxo da predestinação, um dos mecanismos mais utilizados na ficção-científica, é aquele que consiste num viajante do tempo que recua atrás no calendário para interceder definitivamente no seu próprio destino. Esta ideia recomenda à Grécia Clássica, mas terá sido O Exterminador Implacável quem consolidou esta ideia na sétima arte e, desde então, têm sido inúmeras as variações que o cinema nos tem dado, desde as mais bem-dispostas (olá Regresso ao Futuro) até às mais espertalhonas (como estás, Efeito Borboleta).

Este paradoxo da predestinação está assim já bem estafado no cinema, mas de quando em vez ainda surgem umas propostas que conseguem olha-lo de um novo prisma. Há não muito tempo atrás, Predestinado esticava essa ideia até ao máximo possível, num filme que, sem ser genial, tornava-se assim bem interessante. E agora, mais recentemente, foi a vez de O Lado Oculto da Lua conseguir mais ou menos o mesmo feito. Pode não ser novamente um óptimo filme, mas a forma original como aborda o paradoxo da predestinação merecem-lhe um lugar na lista dos filmes sobre viagens no tempo. E a forma como aborda a linearidade do tempo fazem-no certamente ser apreciado por Cristopher Nolan, que, em Tenet, explorou todas as possibilidades de avançar e recuar no tempo linear e simultaneamente.

Contudo, O Lado Oculto da Lua começa quase como um neo-noir tresmalhado de thriller. Numa certa noite de 1988, um grupo aleatório de pessoas – um pianista, uma condutora de autocarros, um cozinheiro numa hamburgueria… – começam a esvair-se em sangue até ficarem saquinhos que nem um carapau. Locke (Boyd Holbrook) e Maddox (Bokeem Woodbine), apesar de serem simples agentes de polícia, vão investigar o caso e acabam por encurralar no metro uma suspeita do crime (Cleopatra Coleman). Luta para aqui, corrida para ali, e esta acaba por cair em frente ao comboio no exacto momento em que este ia a passar.

A partir daí, o filme começa a saltar de 9 em 9 anos – 1997, 2006, 2015, 2024…. – e, em todos eles, surge novamente Cleopatra Clemente a matar pessoas da mesma forma. Locke, que entretanto fora promovido a detective, fica tão obcecado com o caso que isso começa a afectar a sua vida pessoal. Acaba expulso da polícia, a filha sai de casa e ele torna-se numa espécie de eremita, em busca de um gambuzino que só surge de 9 em 9 anos. Do noir ao filme de ficção-científica é um pequeno pulo e O Lado Oculto da Lua não consegue fazer muito bem essa transição, se bem que o arco narrativo está lá.

O problema de O Lado Oculto da Lua é que essa parte mais sci-fi é completamente descabida. Surge pelo meio um cientista indiano, Rudi Dharmalingam, que cai do céu por não ter unhas, e que balbuciona uma explicação qualquer com as fases da lua, que não fazem sentido nenhum. O realizador Jim Mickle sente uma necessidade tremenda de nos explicar tudinho, mas… viagens no tempo não se explicam porque não têm explicação. Preferíamos muito mais que o filme se mantivesse numa abordagem mais terra-a-terra, até porque, à medida que o filme vai se aproximando do nosso presente, vai ressoando tremendamente com a actualidade: o movimento Black Lives Matter, a violência policial e a ascensão da extrema direita.

Há uma pontinha de O Homem do Castelo Alto em O Lado Oculto da Lua e era essa parte que gostávamos mais de ver explorada. Jim Mickle preferiu seguir pelo lado duro da ficção-científica e apostar as fichas todas numa reflexão sobre a família e a predestinação. Não é que o McChicken seja propriamente mau, antes pelo contrário, mas outro tipo de escolha talvez tivesse resultado num final ligeiramente mais saboroso. Talvez numa realidade temporal alternativa esse filme tenha sido feito…

Título: In The Shadow of the Moon
Realizador: Jim Mickle
Ano: 2019

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