| CRÍTICAS | Licorice Pizza

O cinema de Paul Thomas Anderson já atingiu a maioridade, o que significa que já conseguimos olhar para o seu corpo de obra e encontrar pontos de contacto, tangentes e outras referências mais ou menos veladas. Não quer dizer que isso seja totalmente consciente, se bem que, num filme como Licorice Pizza, é inevitável não deixar um gostinho a greatest hits. Atenção, isso não é (necessariamente) mau.

A maior rima de Licorice Pizza com o seu trabalho anterior está precisamente nos actores. O casal de protagonistas é formado por Cooper Hoffman e Alana Haim, que se estreiam praticamente na sétima arte, mas que não nos são de todo estranhos. O primeiro é filho de Phillip Seympur Hoffman, que era um regular de Paul Thomas Anderson, e apesar de algumas semelhanças com o pai, é impossível não traçar um paralelo entre o seu negócio a vender colchões de água com a personagem de Seymour Hoffman em Embriagado de Amor, onde era o homem dos colchões. Por sua vez, Alana Haim é membro da banda Haim, da qual o realizador tem feito praticamente todos os teledisco. E Alana é um achado! Miúda, deixa o teu daytime job e dedica-te por inteiro ao cinema, até porque as Haim não têm piadinha nenhuma.

Mas a familiaridade de Licorice Pizza para com a filmografia de Paul Thomas Anderson não se fica por aí. O realizador regressa aos anos 70 e a Los Angeles, local temporal e geográfico de filmes anteriores, de Jogos de Prazer a Vício Intrínseco. Licorice Pizza passa-se em San Fernando Valley, subúrbios de Los Angeles e espécie de lado b de Hollywood, onde viviam e conviviam os secundários do star system da indústria, o que significa que há muita gente conhecida a passar pelo filme (com destaque para o infame produtor Jon Peters, interpretado com verve por Bradley Cooper) e outros tantos com o nome mudado, mas que nós conseguimos identificar (James Holden, interpretado pro Sean Penn, por exemplo) e mais uns quantos que não sabemos muito bem quem são porque não somos nenhuma enciclopédia de Hollywood. Por isso, não deixamos de pensar em Era Uma Vez em… Hollywood, se bem que o objectivo de Paul Thomas Anderson é bem diferente do de Quentin Tarantino, que não quer nada reescrever a história com a sua justiça poética.

Também por isso, não interessa para nada conhecer quem são essas pessoas para desfrutar de Licorice Pizza. Em Era Uma Vez em… Hollywood isso era mais difícil, já que conhecer o passado dessas referências era o que sustentava muito essas cenas. Aqui, as personagens e as situações são apenas veículos para as aventuras dos dois protagonistas, Cooper Hoffman e Alana Haim, dois miúdos que, no entanto, se comportam como adultos e que toda a gente reconhece como iguais. Por isso, apesar de ser um teen movie, que também faz lembrar American Grafitti – Nova Geração pela forma como capta um determinado período específico sem ser necessariamente uma viagem nostálgica pela memory lane, é mais um filme de aventuras, bem lúdico e bem-disposto.

Além disso, é um coming-of-age e uma comédia stoner, com aquele sentido de humor muito particular de Paul Thomas Anderson. É uma celebração dos anos 70 norte-americanos, dos subúrbios de Los Angeles onde tudo parecia poder acontecer e uma história romântica pouco ortodoxa, entre um miúdo de 15 anos que, por ser um child actor, é em mais maduro do que deveria ser e um espertalhão sempre à coca do próximo negócio que lhe vai permitir arrecadar mais uns dólares (os optimistas de hoje em dia chamar-lhe-iam um empreendedor, essa palavra tão detestável), e uma adolescente com problemas de auto-estima e em controlar a raiva e que faz lembrar um divertido cruzamento entre o neurótico Woody Allen (o mesmo background judeu e tudo) e as explosões de Sue Heck, do No Meio do Nada.

Mas nem tudo é positivo em Licorice Pizza – e não, não estou a falar da personagem racista de John Michael Higgins (baseado no dono do primeiro restaurante japonês de San Fernando Valley, que apesar de alguma polémica até tem graça). É que na sua demanda por mais e mais episódios na demanda pessoal de Hoffman e Haim, Paul Thomas Anderson acaba por se entusiasmar em demasia e estender o filme por 30 minutos que são claramente a mais. Quando Hoffman fecha o seu negócio de colchões de água, fechando o círculo narrativo, e o filme continua com Haim a ir trabalhar para o político Joel Wachs (Benny Safdie) e o primeiro a abrir um salão de pinballs, já tudo começa a parecer um pouco chover no molhado. Choca? Não. Era dispensável? Era. Afecta o McChicken final? Provavelmente sim.

Título: Licorice Pizza
Realizador: Paul Thomas Anderson
Ano: 2021

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