| CRÍTICAS | Jogo da Alta-Roda

A ficção televisiva tornou-se nos últimos anos terreno privilegiado para os criadores de Hollywood, fugindo à pré-formatação dos blockbusters da Disney (se bem que esta já começou também o processo de controle deste sector) e beneficiando do dinheiro fresco das plataformas de streaming. Nestas já duas décadas da nova ficção televisiva (quando é que alguém cunha uma designação para esta revolução que começou ali entre a estreia de Os Sopranos e Sete Palmos de Terra?) surgiram já alguns fenómenos, a reconversão de um ou outro actor e a ascensão de um nome: Aaron Sorkin.

Argumentista fluente e com grande verve torrencial, Sorkin ganhou reputação com Os Homens do Presidente, que o levaram a escrever para grandes nomes de Hollywood em produções de prestígio, como David Fincher ou Danny Boyle. No entanto, nos últimos anos, Sorkin já começou a transição para um novo patamar: o de realizador. Juntando a escrita à realização, Aaron Sorkin estreou-se assim em nome próprio com Jogo da Alta-Roda, lançando uma carreira que, há data da escrita deste texto, já vai em três filmes. E não dá ares de ir abrandar tão cedo.

Idris Elba and Jessica Chastain star in Molly’s Game.

Jogo da Alta-Roda é a história real de Molly Bloom (adaptando inclusive o sue livro de memórias), que nada tem a ver com a personagem do Ulisses, de James Joyce. Molly (aqui interpretada por Jessica Chastain) foi uma promissora ex-esquiadora que, durante um par de anos, montou o maior e mais exclusivo clube de jogos de póquer em Los Angeles e Nova Iorque, onde confluíam os maiores milionários norte-americanos: estrelas de Hollywood (supostamente Tobey Maguire (que até tem um alter-ego no filme, interpretado por Michael Cera) e Leonardo DiCaprio), atletas desportivos e, claro, todo o tipo de agiotas, “empresários” e mafiosos. Aliás, foram estes últimos que conduziram as autoridades até ao encalço de Molly Bloom, levando-a à barra do tribunal, num daqueles casos com tanto drama que poderia dar um filme. E deu.

São precisamente dois ambientes que colam que nem ginjas ao estilo de escrita de Aaron Sorkin. Os seus diálogos cocainados de pergunta e resposta imparáveis são perfeitos para criar o ambiente perfeito em jogos de póquer onde estão milhões na mesa, mas também para o filme de tribunal, onde os advogados têm sempre o papel privilegiado enquanto oradores principais. Aliás, as melhores cenas de Jogo da Alta-Roda são mesmo as que juntam Molly/Jessica Chastain ao seu advogado, Idris Elba, analisando o processo, pesando prós e contras e avaliando soluções.

Jogada da Alta-Roda pode-se colocar na sucessão de outros filmes sobre mulheres que, contra todas as previsões (por virem de baixo, por serem mulheres num sector tradicionalmente masculino ou por ambos ao mesmo tempo), construíram uma carreira, subiram a pulso e/ou construíram um qualquer tipo de império, tipo Ousadas e Golpistas ou mesmo Erin Brockovich. Aaron Sorkin não consegue resistir a alguma glorificação e endeusamento de Molly Bloom, especialmente a partir da sua relação com o pai (Kevin Costner), que resulta numa cena final que cura todos os traumas de uma vida entre pai e filha num breve diálogo que chega a ser constrangedora, mas o ritmo a mil à hora e as referências de cultura popular enxertadas de forma que parece aleatória, mas que acabam por fazer todo o sentido, levam o McChicken a bom porto. E os amantes de póquer (o jogo mais aborrecido da história dos jogos aborrecidos) irão delirar com algumas sequências.

Título: Molly’s Game
Realizador: Aaron Sorkin
Ano: 2017

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