Quando Noah Baumbach lançou A Lula e a Baleia foi como se nos tivesse esfregado um manifesto na cara: Morra o Woody Allen! Morra! Pim! Na altura ainda não havia Marriage Story – da qual este filme é a semente – e, apesar das raízes biográficas (o pai de Baumbach é escritor e a mãe critica de cinema) e da influência-charneira de Kramer Contra Kramer, tudo em A Lula e a Baleia respirava Woody Allen: ambientando em Nova Iorque, a câmara ao ombro, a dissecação terapêutica e neurótica do núcleo familiar… A única coisa que Baumbach trocava era o jazz da banda-sonora pela música dos anos 70. E uma coisa vos garanto, depois de ver A Lula e a Baleia andamos com a Street Hassle, do Lou Reed, na cabeça durante uma semana.
A Lula e a Baleia é um pequeno filme independente – daqueles verdadeiramente independentes, que não recorrem propriamente a convenções estéticas ou formais pré-estabelecidas, e não o cinema indie que se tornou num sub-género desde que a Miramax o trouxe das margens para o centro da indústria -, que mergulha no centro de uma família da classe média norte-americana. O pai (Jeff Daniels) é um escritor que continua a viver claramente dos créditos do passado, um intelectual autoritário-passivo e manipulador que tem a mania que é melhor que todos os outros; a mãe (Laura Linney) tem uma carreira recente nas Letras, o que faz com que o pai não lide bem com isso, e um gosto a mais por homens; o filho mais velho (Jesse Eisenberg) aspira seguir os passos do pai, mas está a ter dificuldade em conjugar esse papel-modelo com as hormonas em ebulição; e o filho mais novo (Owen Kline) não parece estar a saber lidar com tanta coisa: o anúncio do divórcio dos pais, a guarda partilhada e… a masturbação.
Tal como os melhores filmes de Woody Allen, A Lula e a Baleia é uma pequena sessão de terapia familiar em formato de filme, em que é fácil nos relacionarmos com vários aspectos daquela disfuncionalidade. Afinal de contas, já dizia Tolstoi que as famílias felizes parecem-se todas, as famílias infelizes são-no cada uma à sua maneira. Mais do que um drama familiar, A Lula e a Baleia é uma pequena comédia agri-doce, que disseca as relações humanas, os pequenos actos cruéis entre pessoas que se amam, os traumas recalcados e a forma como lidamos com eles.
A Lula e a Baleia é tão realista, no seu impressionismo, que Noah Baumbach até mete os Pink Floyd a fazerem sentido. Baumbach garante que nunca tentou convencer ninguém que tinha escrito o Hey You, mas explica que teve um amigo que o fez, com uma cantiga dos Who. Além disso, é um filme altamente minimalista e é aí que está o seu maior trunfo. São apenas quatro actores (mais os namorados de uns e outros, que vão surgindo de forma frugal, com destaque para o tenista-espiritual de William Baldwin) no seu dia-a-dia rotineiro, que dá um carácter ainda mais intimista à história. A Lula e a Baleia é uma pequena pérola, mas de trazer por casa, nada daquelas jóias muito chiques e extravagantes. Sabiam que os McRoyal Deluxe também dão pérolas?
Título: The Squid and the Whale
Realizador: Noah Baumbach
Ano: 2005