| CRÍTICAS | Os Olhos de Tammy Faye

Antes das plataformas de streaming terem criado quase um sub-género de documentários bizarros, um documentário chamado Marjoe – que, se fosse feito hoje, certamente que seria produzido pela Netflix e espremido em, pelo menos, quatro episódios de 50 minutos cada – antecipava esse estilo, convencendo inclusive a Academia nesse ano. Estávamos em 1972 e Marjoe acompanhava os bastidores da última digressão de um pastor evangélico por todas as terriolas dos Estados Unidos, enquanto este (cujo nome, Marjoe, era uma fusão de Mary and Joseph, os pais de Jesus) revelava os truques que usava para convencer o seu público da sua santidade para os espremer até ao último tostão.

Os Olhos de Tammy Faye é mais ou menos uma versão alternativa de Marjoe, mas em versão biopic (se bem que existe também o documentário homónimo, que serviu para redefinir o legado da próprio Tammy Faye), sobre Jim Bakker (interpretado por Andrew Garfield), o pai do evangelismo televisivo, e, especialmente, sobre a sua esposa, a qual dá título ao filme. Tammy Faye é, em primeiro instância, lembrada como uma figura excêntrica e bizarra, sempre com maquilhagem exagerada, voz de desenho-animado e alguns comportamentos em directo… especiais, mas que cujo contributo para a luta LGBTQIA+ não deve ser esquecido. Afinal de contas, em plena pandemia da sida, Tammy Faye foi a primeira figura religiosa a abordar de frente o tema, sem julgamentos e com empatia, ao entrevistar no seu programa um reverendo seropositivo. 

Os Olhos de Tammy Faye é assim um biopic tradicional, que segue o modelo clássico de ascensão e queda, começando claro pela infância conservadora, mas já de grande fervor crístico de Tammy Faye. Depois de conhecer e casar num impulso com o galinhas-mansas Jim Bakker, o casal rapidamente saltou do evangelismo itinerante (como Marjoe fazia) para a televisão, percebendo o alcance brutal daquela caixinha mágica. Daí até construírem um império de milhões foi um pulo, mas a queda aconteceria com estrondo, devido a desvios de dinheiro e muitos gastos supérfluos.

A história, pelo menos abreviada assim, pode parecer suficientemente interessante para um filme, mas a verdade é que Os Olhos de Tammy Faye não se aguenta enquanto filme de longa-duração. Enquanto que o documentário é eficaz e entretém durante toda a sua duração, o filme esuqece-se de que, na dramatização, é preciso haver emoção, intriga, suspense… enfim, pathos, que não existe de todo. O realizador Michael Showalter esforça-se em recriar com exactidão os principais momentos televisivos de Tammy Faye e Jim Bakker (entrevistas, episódios marcantes do seu talk show, as suas actuações musicais…) e esquece-se de tudo o resto. Os Olhos de Tammy Faye tem o esqueleto, mas falta-lhe a carne nos ossos.

Assim, o filme limita-se a ser um one woman show de Jessica Chastain, também ela (e Andrew Garfield, diga-se de passagem) maquilhada com precisão exaustiva e projectando exactamente o mesmo tom de voz para mimetizar a Tammy Faye real. Tudo o resto é apenas um acumular de episódios com mais ou menos interesse, mas que não é por os colocarem todos de seguida em ordem cronológica que significa que tenhamos aqui um filme. Os Olhos de Tammy Faye está assim para The Eyes of Tammy Faye assim como Grey Gardens estava para o documentário homónimo, mas ao contrário desse não consegue adicionar nada de novo ou convencer-nos sequer de que a sua existência é justificável. E o Cheeseburger, que já é exageradamente generoso, serve quase apenas para recompensar a entrega dos protagonistas.

Título: The Eyes of Tammy Faye
Realizador: Michael Showalter
Ano: 2022

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