O thriller erótico foi um género muito acarinhado nos anos 90, mas que entretanto caiu em desuso, salvo raras excepções no circuito mais xunga que, verdade seja dita, foi donde ele surgiu inicialmente. Foi preciso então a Hulu vir ressuscitar Adrian Lyne, ele que assinou alguns dos expoentes máximos do género nos 90’s (olá Atracção Fatal, olá Nove Semanas e Meia), provando pela enésima vez que as plataformas de streaming engolem e regurgitam tudo o que mexa, em contramão com Hollywood, mais conservadora que nunca e cheia de medo de arriscar, escondida sobre a desculpa do “ai que hoje não se pode dizer nada, dantes é que era bom, sempre gozei com o badochas da turma e ele nunca se queixou, apenas teve que trocar de escola e hoje tem distúrbios alimentares”.
Como em qualquer thriller erótico, Deep Water tem como premissa a relação de um casal muito peculiar. Ele (Ben Affleck, numa prestação que confunde petrificado com introspecção) é calmo e introvertido, satisfeito em viver uma vida relaxada depois de se ter reformado jovem, após inventar um drone todo xpto usado pelo exército americano na guerra; Ela (Ana de Armas) é todo o oposto, extrovertida, sexual e amante de festas, que acaba por fazer amigos com facilidade. Amigos, assim mesmo, com o. Wink wink, if you know what I mean.
Deep Water começa de forma lenta, tal como o próprio Ben Affleck, sempre em modo múmia, e isso permite-nos ir-nos afundando naquela relação algo… desequilibrada. E quando Affleck apanha um dos amigos da mulher sozinho, durante uma festa, diz-lhe tranquilamente já ouviste falar do antigo amigo da minha mulher que desapareceu? Eu matei-o. Wink wink, if you know what I mean. A diferença é que não sabemos se ele está a falar a sério ou a fazer bluff.
Infelizmente, Deep Water não sustém esta dúvida durante muito tempo. E, como era ela que mantinha o interesse do filme, quando Adrian Lyne decide revelar tudo demasiado cedo, Deep Water termina para nós precocemente. Ejaculação precoce – já que estamos a falar de um thriller erótico, as metáforas sexuais são adequadas. Na verdade, até termina antes disso, já que o realizador nunca consegue acertar no tom certo. Até as cenas de sexo, que são sempre o combustível de qualquer thriller erótico que se preze, são sempre envergonhadas, como se tivesse que se manter à tona do filme familiar. Aparecem as maminhas da Ana de Armas de quando em vez e fica por aí a ideia de eroticidade de Deep Water…
Tudo isto é verdadeiramente desolador, porque Deep Water tem ali muito material para explorar. Afinal de contas, estamos a falar de uma história de Patricia Highsmith, uma das mestres do género. E a verdade é que o filme até vai bater a essas portas, mas opta sempre por seguir em frente, sem as abrir e olhar sequer para dentro da sala. Deep Water é uma historia de dicotomias, começando logo pelo próprio Ben Affleck e toda a sua bagagem moral, vivendo dos lucros sobre uma invenção utilizada para matar pessoas, e terminando naquela relação entre ele, norte-americano, e ela, europeia (e aqui também há um choque de cinemas, se bem que nada disso se revela nas mãos de Adrian Lyne). Será que o sangue que tem nas mãos é literal ou é mais metafórico que isso? Na verdade, isso não interessa para nada, porque Adrian Lyne termina tudo com uma sequência final tão hiperbólica, que se torna embaraçosa. Rimo-nos com o nervoso miudinho e de vergonha alheia. Afinal de contas, nenhum Happy Meal do mundo merecia aquele fim.
Título: Deep Water
Realizador: Adrian Lyne
Ano: 2022