Há quem defenda os filmes da Marvel (ou melhor, o Universo Cinemático da Marvel, porque este já não se limita ao grande ecrã, já se estendeu à televisão também) só existe para nos manter interessados no seu próximo produto, perdão, próximo filme (olá Martin Scorsese, como estás?). Mas apesar de isso não ser inteiramente mentira, o certo é que a Marvel consegue, a ada novo filme, criar algo novo que nos convence a ir ver, na esperança que desta é que é. Quase nunca é, mas isso não nos impede de continuar a sonhar.
Nesta sequela de Doutor Estranho, Doutor Estranho no Multiverso da Loucura (excelente título a homanegar H.P. Lovecraft), o motivo de excitação é um nome: Sam Raimi. É que este, que em tempos já foi (continua a ser?) o cineasta mais interessante de quem gosta de série b e de subgéneros menos recomendáveis, não fazia nada há quase uma década. Por isso, o seu regresso à cadeira de realizador é feito com pompa e circunstância, até porque retorna a um mundo onde já foi feliz. A trilogia inicial do Homem-Aranha continua a ser um dos melhores filmes de super-heróis de sempre. Ok, há aquele terceiro tomo, com o Peter Parker emo, mas até isso perdoamos a Raimi.
Quando a Marvel abriu as portas à existência do multiverso, ou seja, às realidades alternativas, abriu simultaneamente um número de possibilidades infinitas para o seu inverso cinematográfico. E nesta segunda fase tem tirado todo o partido disso, especialmente com a figura do Doutor Estranho, esse super-herói que é também um feiticeiro poderoso (ou será que é um feiticeiro poderoso que também é um super-herói?). Caso haja dúvidas, basta ver o recente Homem-Aranha – Sem Volta a Casa, que permitiu cruzar os vários actores que há encarnaram o Aracnídeo. Por isso, neste regresso de Benedict Cumberbatch a um filme em nome próprio – e, ainda para mais, com o subtítulo de No Multiverso da Loucura -, as expectativas eram grandes.
E a primeira conclusão a tirar é que nem Sam Raimi, com um orçamento generoso e uma carta nas mãos que lhe dá criatividade quase sem limites, consegue escapar ao rolo compressor dos grandes estúdios (ou melhor, do grande estúdio, que é a Marvel). Fica sempre a sensação de que quando Doutor Estranho no Multiverso da Loucura pode entrar pela maluqueira total, há sempre um braço conservador que o agarra pelo colarinho e volta a coloca-lo na berma, em segurança. Oh que raio, há um multiverso em que toda a gente é tinta, como é que não se pegou mais nisso além de uma graçola? Falta a Doutor Estranho no Multiverso da Loucura o espírito transgressor de Homem-Aranha – No Universo Aranha.
Quanto ao filme em si, conta a história de como o Doutor Estranho (Benedict Cumberbatch) e Wong (Benedict Wong) têm que salvar uma miúda, America Chavez (Xochitl Gomez) – salvar a América, estão a entender? -, que tem o poder de saltar de universo alternativo em universo alternativo, de uma bruxa que a está a perseguir. E se estamos falar de bruxaria, só podemos estar a falar de uma pessoa: da Feiticeira Escarlate (Elizabeth Olsen), acabadinha de sair do WandaVision. Eis então uma batalha impiedosa entre magia e bruxaria, através de universos paralelos, com muitos monstros, feitiços e encantos – e que ainda tem tempo para introduzir os Iluminati, com um crossover que inclui o professor Xavier original (ou seja, Patrcik Stewart) e o novo Senhor Fantástico (John Krasinski).
É já quando está a entrar no último acto que Doutor Estranho no Multiverso da Loucura finalmente se cumpre e Sam Raimi dá um ar da sua graça. Talvez inspirado pelo cameo habitual de Bruce Campbell, o filme entra de vez no campo do terror. Os personagens abrem o Necronomicon, perdão, o livro de Vishanti e o Darkhold, e de repente estamos em O Exército das Trevas. Há almas penadas, um Doutro Estranho zombie, fantasmas, sustos e uma ponta final que promete ser um dos melhores momentos da Marvel de 2022 (de sempre?). Não serve para elevar o filme acima do Double Cheeseburger, mas acreditem que sabe bem, muito bem mesmo.
Título: Doctor Strange in the Multiverse of Madness
Realizador: Sam Raimi
Ano: 2022