Holiday é um filme extremamente incómodo a vários níveis, sendo que o perturbador é o seguinte: sendo uma obra da Dinamarca, a fotografia que tira dos dinamarqueses é uma absoluta surpresa. É que nós, habituados a que os escandinavos sejam todos perfeitos e maravilhosos, nas suas sociedades onde tudo funciona de forma limpa, organizada e automatizada (quando é que fazem uma lei que todos os chefes e pessoas que mandam no mundo deviam ser escandinavos?), não estamos preparados para ver aqueles nórdicos em versão eurotrash. Os personagens de Holiday são antes os que estamos mais habitados num filme dos Balcãs, da Europa de Leste ou mesmo da Europa latina.
Sascha (Vic Carmen Sonne) é a protagonista de Holiday. Começamos por a encontrar na sua chegada a um aeroporto de um destino veraneante, que havemos de saber mais tarde que é a Turquia. Aliás, Holiday é um filme de muitas poucas palavras e toda a informação que vamos recebendo vai chegando às pinguinhas, quando não é arrancada a ferros. Sascha vem sozinha, mas dá para perceber que está à espera de alguém. E a primeira pessoa que lhe dá boleia até à casa dos segundos há de nos mostrar que aquilo não é propriamente gente de bem e que Sascha não só veio de férias, como ainda serviu de mula para trazer dinheiro. Muito dinheiro.
Sascha vem então de férias para a Turquia com a família de Michael (Lai Yde), um barão da mafia dinamarquesa, rodeado da tal entourage toda eurotrash. Vão para a praia com o rádio em altos berros e quando alguém lhes pede para baixarem a música, porque estão a incomodar toda a gente, não só são mal-educados como ainda o ofendem e prometem de porrada. Até a criança o encharca com a pistola de água, sob os risos dos adultos. À noite vão para as boates locais, onde se embebedam e dão dinheiro às strippers.
A realizadora Isabella Eklöf não tira um retrato muito feliz daquela gente. O local também não ajuda. Por entre os bares semi-vazios e as situações mais ou menos incómodas, Eklöf filma aquela gente quase sempre sozinha, em planos muito abertos. Isso serve também para aumentar o isolamento e abandono de Sascha, à medida que a relação com Michael começa a tornar-se em abuso e violência. E depois lá vem aquela cena. Sim, há uma cena que marca o filme e de que se fala inevitavelmente quando se fala de Holiday. E é a cena que tem valido as comparações todas entre o filme e o Irreversível. Que se lixem os spoilers, de certeza que já perceberam de que se trata de uma violação. E, tal como na cena da Monica Bellucci, o que mais perturba nessa cena de Holiday nem sequer é a pila de Lai Yde, é mesmo uma testemunha que entra no plano e que, após um momento de hesitação, opta por dar meia volta e voltar para trás.
Holiday é um estudo de carácter de uma personagem que é Sascha. É ela que continua o seu dia-a-dia rotineiro, por entre a piscina e as refeições com a família de Michael, mesmo quando é cada vez mais mal tratada. Por isso, por vermos o mau feitio de Michael, começamos logo a perceber que a coisa não vai correr bem quando esta faz amizade com um turista holandês (Thijs Römer) que não sabe da missa nem a metade. Mas mesmo sendo este um filme perturbador, de poucas falas e, portanto, impresível, nada nos prepara para o último acto. É um final esquivo, tão gratuito quanto em aberto, que permite tirar todas as conclusões de Holiday. A minha é esta: Cheeseburger. Mas também confesso que não me apetece vê-lo outra vez, pelo menos nos próximos anos.
Título: Holiday
Realizador: Isabella Eklöf
Ano: 2018