Nicolas Cage, no seu ritmo frenético de fazer filmes (e de ir a todas), celebra o seu centésimo título da carreira com um dos seus trabalhos mais particulares de todos. Em O Peso Insuportável de um Enorme Talento Nicolas Cage faz de uma versão de si próprio, ligeiramente exagerada (na verdade faz de duas versões de si mesmo, uma vez que há um fantasma interior que fala consigo próprio), que perpetua o mito em detrimento da pessoa. Não é a primeira vez que um actor faz algo assim. Já há uns anos atrás, Jean-Claude Van Damme tinha feito um filme meta em redor do seu eu público e artístico (alguém mencionou JCVD?). A diferença é que o Muscles from Brussels não tem o mesmo street cred que Cage.
Nicolas Cage é então Nick Cage, o actor que todos conhecemos de filmes tão díspares quanto A Outra Face, Con-Air – Fortaleza Voadora ou Os Croods – Uma Nova Era (e todos eles são referidos com igual reverência). Aliás, é esse um dos segredos do sucesso de Cage. A forma como faz, com igual amor, um filme de autor com Werner Herzog, uma animação para miúdos ou um filme xunga qualquer em que luta com um jaguar num barco. No entanto, a verdade é que a sua credibilidade em Hollywood já foi melhor. E, por isso, O Peso Insuportável de um Enorme Talento começa com ele a pedinchar um papel no novo filme de David Gordon Green (quem?).
Com a carreira presa por arames e dificuldades em manter uma relação estável com a filha (Lily Mo Sheen), Nick Cage decide então tomar medidas drásticas: reformar-se da representação. No entanto, antes disso aceita o convite para fazer uma presença numa festa de aniversário dum milionário excêntrico qualquer (Pedro Pascal) em Maiorca, sugestão do seu agente (Neil Patrick Harris) para pagar as últimas contas. O que era difícil de prever é que Pedro Pascal, além de ser um tipo extremamente agradável (e um fã acérrimo de Cage, com quem tem o sonho molhado de fazer um filme), é também um dos chefes do submundo do crime. Por isso, Nick Cage acaba recrutado pela CIA para tentar descobrir por dentro onde é que Pedro pascal escondeu a filha raptada do presidente da Catalunha.
Na verdade, apesar de estranha, a premissa podia muito bem ser a de um qualquer thriller série b com Nicolas Cage no principal papel. Por isso, isso facilita à suspensão da descrença e a engolirmos aquilo tudo. O próprio Nicolas Cage parece estar a divertir-se e aproveita um par de ocasiões para entrar em modo full Cage, mas nem sequer é isso que importa. O mais importante em O Peso Insuportável de um Enorme Talento é mesmo quando Nicolas Cage se torna mais vulnerável e que, apesar da liberdade dramática, conseguimos ver ali algum reflexo real da sua vida.
Nick Cage e Pedro Pascal acabam por desenvolver uma estranha relação de cumplicidade e, numa segunda camada meta-referencial, O Peso Insuportável de um Enorme Talento torna-se no próprio filme que os dois começam a escrever. Na primeira metade um drama adulto com personagens a sério (ou, de forma mais simples, um bromance); e no último acto um típico blockbuster de Hollywood, com explosões e perseguições desnecessárias, apenas para apelar ao grande público. É também a crítica do realizador Tom Gormican ao modelo de negócio da indústria da qual faz também parte. Ironia, hipocrisia ou meta-meta-referência?
Por vezes, parece que O Peso Insuportável de um Enorme Talento se esforça demasiado em fazer referências à carreira de Nicolas Cage, mas existem momentos que são verdadeiros achados. O cameo de Demi Moore, muito à O Último Grande Herói, é um deles, mas o melhor é mesmo o fantasma de si próprio com quem Nicolas Cage dialoga em momentos de dúvida existencial – uma versão digitalmente jovem de si mesmo, que se assemelha ao Nicolas Cage de Coração Selvagem, tem um ego que vai daqui à lua e, no fim, aparece creditado como Nicolas Kim Coppola. Só isso quase que vale o McChicken inteiro.
Título: The Unbearable Weight of a Massive Talent
Realizador: Tom Gormican
Ano: 2022