Logo no início de Uma Mulher Sob a Influência, há um momento decisivo. No carro, o marido Nick Longhetti (Peter Falk) fala sobre a mulher com o melhor amigo (Charles Horvath), acerca do facto de uma emergência no trabalho tê-lo obrigado a cancelar planos a dois para essa noite. O amigo alerta-o que tem que lhe ligar, para a avisar, porque Mabel (Gena Rowlands) é uma mulher sensível e delicada, ao que Nick responde imediatamente com uma pedra na mão: a Mabel não é maluca, ela é especial [unusual]. Ela não é maluca, por isso não digas que ela é maluca. Calma aí, Nick, ninguém disse que ela é maluca. Mas a verdade é que, durante o resto do filme (e são mais de duas horas), muita gente vai chama-la não só de maluca, mas também de doida, louca, tonta e mais não sei quantas variações do termo. E, na maioria das vezes, sem se importarem sequem de ela estar na sala a ouvir. Aliás, na maioria das vezes até o dizem na cara.
Uma Mulher Sob a Influência é um filme decisivo sobre a saúde mental. Mabel é, sem dúvida, uma mulher delicada e sensível. Mas à medida que o filme vai avançado, o seu comportamento e as suas reacções vão-se tornando mais erráticas. A grande questão do filme de John Cassavetes é, no entanto, outra: mas afinal não serão todos os outros malucos também? A violência psicológica que todos lhe impõem (bem, a do marido chega mesmo a vias de facto), incluindo a do seu psicólogo (Eddie Shaw), faz com que toda aquela gente contribua para criar um ambiente disfuncional, que descamba muitas vezes em confrontos físicos, discussões acaloradas e muito abuso. Com os filhos pequenos a ver e tudo, até porque estamos em 1974 e os tempos eram outros.
Uma Mulher Sob a Influência é assim um filme difícil de ver e são vários os momentos em que temos mesmo de desviar o olhar. Nick Cassavetes, que foi o pai do cinema independente (aquele que não respeitava nenhuma norma do que se aprendia na academia e não aquele que se tornou num sub-género da própria indústria, depois de ter sido capturado pelo capitalismo), mergulhava numa espécie de cinema-directo com uma câmara ao ombro, que está sempre em cima da cara dos actores, transmitindo-lhe uma visceralidade que, por vezes, se torna mesmo perturbadora. Uma Mulher Sob a Influência reinterpreta à sua maneira os códigos do melodrama e antecipa o Kramer Contra Kramer ou o Marriage Story.
Claro que o filme é, todo ele, Gena Rowlands a mergulhar de cabeça neste desempenho brutal, que é também uma espiral descendente na perda de saúde mental. Cassavetes contou várias vezes, em entrevista, que Rowlands, a sua esposa, lhe tinha pedido para preparar um filme para ela (haveriam de fazer vários juntos) e que ele, com requintes de malvadez e sadismo, escreveu Uma Mulher Sob a Influência. Contudo, o que o faz ser um filme completo é que este não se limita a ser um one woman show, há aqui outra personagens, igualmente complexas, como a do marido, Peter Falk. E é isso que dá espessura a um filme, que redefine todo o contexto de família disfuncional.
Por tudo isso, é extremamente redutor dizer que Uma Mulher Sob a Influência é um filme sobre a saúde mental. É antes sobre o casamento e sobre as relações humanas e familiares. Richard Dreyfuss, na televisão, deu a melhor descrição de sempre do filme: It was the most incredible, disturbing, scary, brilliant, dark, sad, depressing movie. I went crazy. I went home and vomited. A ideia não é que vomite o McBacon, mas certamente que será um hamburga que nunca mais esquecerá na vida.
Título: A Woman Under Influence
Realizador: John Cassavetes
Ano: 1974