A sequência de abertura de A Banquet é tão inquietante, quanto desnecessária. De forma a fazer passar a sua mensagem, a realizadora Ruth Paxton demora-se na doença do pai daquela família (Richard Keep), explorando a sua miséria prolongadamente enquanto este se esvai em tosse. É um sofrimento quase pornográfico que termina abruptamente, com o suicídio deste, que morre nos braços da esposa (Sienna Guillory) e perante o olhar atento da filha mais velha (Jessica Alexander). A mensagem ficou entregue: aquela é uma família que vai crescer assente no trauma e na tragédia.
É também uma família de mulheres, já que à mãe e filha junta-se ainda uma mais nova (Ruby Stokes). Mais tarde, há de aparecer também a avó, em que Lindsay Duncan vem trazer dignidade ao filme, mas também uma nova injecção de vitalidade. Seja como for, para uma família traumatizada, até parece que se estão a sair bem. Pelo menos, Sienna Guillory e Jessica Alexander, que parecem ter uma boa relação de confiança e confidência.
Jessica Alexander, que está a terminar o liceu e que não sabe o que fazer da vida, vai ter então um momento de iluminação na sua vida. Certa noite, numa festa, vem à rua fumar um cigarro e algo acontece. Nunca se sabe o quê (apenas que há uma lua vermelhona no céu, nessa noite), mas o certo é que Jessica nunca mais volta a ser a mesma. Primeiro deixa de comer, apesar de nunca perder peso, e depois começa a ter umas visões de futurologia e messianismo. É como se tivesse andado a ver o Saint Maude.
Ruth Paxton tem então muita coisa em mãos, mas parece que nunca se decide por onde quer ir. Aliás, existem momentos que até parecem que estão a correr dois filmes em simultâneo. Bem no fundo, A Banquet é um slow burner sobre a relação entre mãe e filha (até porque, mais tarde, quando entra em cena Lindsay Duncan, parece que há a intenção de passar a ideia de uma certa hereditariedade no que diz respeito ao trauma), mas a verdade é que o arco narrativo é-nos apresentado quebrado. De bff numa cena, mãe e filha tornam-se quase incompatíveis na cena seguinte. Sienna Guillory perde a paciência com as tretas que a filha diz demasiado depressa e o trauma naquela família agrava-se. E será que ninguém acha estranho que Jessica Alexander tenha deixado de comer e não emagreça? Parece ser um pormenor de somemos, que fica afogado entre o resto da informação.
A realizadora Ruth Paxton também procura ilustrar essa aversão de Jessica Alexander com a comida com grandes planos dos pratos que vão sendo cozinhados pela mãe, numa escala tão macro que se tornam disformes. Faz lembrar o Raw, mas falta-se visceralidade. Tudo parece artifício e, como tal, algo forçado, apesar da fotografia ser sempre impecável. E, de repente lá pelo meio, há ainda menções a demónios e antigas tradições japonesas, com assomos da influência do cinema sul-coreano do início deste século, se bem que é apenas mais uma acha atirada para a fogueira, que rapidamente se consome.
No final, A Banquet tem, pelo menos, a decência de deixar o sinal em aberto, para a interpretação de cada um de nós. É o melhor que lhe poderia acontecer, em vez de nos tentar enfiar pela goela uma explicação qualquer que procurasse colar com cuspo aquelas postas todas disparadas em toda a direcção. É um Cheeseburger bonito de se ver, mas não particularmente saboroso de se provar.
Título: A Banquet
Realizador: Ruth Paxton
Ano: 2021