E, de repente, o cinema iraniano saiu de dentro dos carros, onde ns habituámos a vê-lo. Depois de A Lei de Teerão, eis mais um noir persa, baseado no caso verídico do serial killer que, no início deste século, começou a matar prostitutas para limpar do pecado a cidade de Mashhad. E no entanto, apesar das semelhanças, Holy Spider é um filme totalmente diferente desse. Porque apesar do realizador Ali Abbasi ter nascido no Irão, está radicado na Escandinávia há muito tempo e esta é uma produção totalmente ocidental, filmado na Jordânia. Tudo isto significa que não este sujeito aos constrangimentos do que pode e não pode mostrar do cinema iraniano.
Basta logo ver a abertura de Holy Spider, em que acompanhamos uma prostitua a preparar-se para a noite, a sair, a ser requisitada por homens e, no final, a ser estrangulada até à morte por aquele que ficará conhecido como o Assassino da Aranha, pertinentemente sempre mergulhado nas sombras (afinal, este é um film noir). Nesta sequência vemos mulheres com cabelos descobertos (ou seja, nudez segundo os critérios islâmicos mais extremistas), violência e sexo gráfico, algo que obviamente não havia em A Lei de Teerão, apesar de ambos recorrerem à estrutura do blockbuster norte-americano.
mulheres que continuam a acumular-se sem a polícia avançar na investigação (nem parece estarem a esforçar-se muito), vemo-la a ter problemas na recepção de um hotel que não a quer deixar registar-se por estar a viajar sem uma companhia masculina. Assim, tal como A Lei do Teerão, também Holy Spider remete para um certo cinema dos anos 70, mas o cinema político mais engajado e comprometido.
É que, para além do thriller, Holy Spider olha para outros temas, não se limitando à esquematização dos bons contra os maus. Holy Spider olha para o flagelo da droga no Irão e para a fraqueza do seu estado social, para o machismo e misoginia sistémica da sociedade e também para a hipocrisia da igreja e das instituições. Holy Spider é um filme que se movimenta nas zonas cinzentas da sociedade, sem nunca sem panfletário, rejeitando leituras simplificadas.
E, no final, quando já está terminado e resolvido, Ali Abbasi ainda nos dá o momento mais perturbador do filme. é uma curta cena que poderia ter saído de O Acto de Matar e que, apesar de ser ficção, o registo de home vídeo confere-lhe uma força de um realismo assustador. Holy Spider é mais um bom McBacon iraniano, mesmo sem ter sido feito no Irão. E Ali Abbasi começa a construir um corpo de obra bem interessante, em que se reinventa de filme para filme.
Título: Holy Spider
Realizador: Ali Abbasi
Ano: 2022