| CRÍTICAS | Silent Night

[pode conter spoilers]

Não é que a realizador Camille Griffin seja muito óbvia (aliás, durante todo o filme a forma como nos vai dando pequenas informações sobre o que se está a passar é um dos trunfos de Silent Night), mas em poucos minutos percebemos logo para onde vamos. Vários convidados dirigem-se para um jantar na casa de Keira Knightley e Matthew Goode, todos aperaltados, e há música natalícia na rádio. Sim, ainda poucos minutos passaram e já percebemos que Silent Night é uma comédia romântica de Natal, provavelmente para se assumir como alternativa a O Amor Acontece.

Contudo, aos poucos e poucos, estranhos sinais começam a fazer-nos suspeitar de que algo não está bem. É Camille Griffin a divertir-se a atirar alguns grãos de areia para engrenagem. São os filhos de Keira Knightley e Matthew Goode que têm permissão para praguejar como marinheiros (Roman Griffin Davis, que é um achado e era a única coisa que se aproveitava em Jogo Rabbit, mais os seus dois irmãos gémeos na realidade, que são todos filhos da própria realizadora), são as referências de que faltam alimentos nos supermercados e a insistência de todos em utilizarem aquela noite para o perdão, o que é demasiado até para a noite de Natal.

A revelação acabará por surgir à mesa de jantar, esse lugar privilegiado para o desenrolar das relações humanas. Há um apocalipse por vir – os russos, acusa a filha irritante Davida McKenzie, as alterações climáticas, defende Roman Griffin David -, o mundo vai acabar, todos vão ter uma morte agonizante e, por isso, o Governo britânico envia um comprimido de cianeto a cada cidadão para morrerem com dignidade. Para todos os cidadãos? Não para todos, imigrantes ilegais e sem-abrigos nem a morrer como os restantes têm direito, numa bicada mordaz de Silent Night. E a rainha? Estará no bunker ou terá morrido?, pergunta alguém. O timing para ver este filme foi perfeito…

Enquanto se preparam para tomar o comprimido, aquela família decide juntar-se uma última vez, para um jantar de amor e paz. O que não é propriamente fácil tendo em conta que todos têm uma língua afiada e muito pouco filtro. Essa química screwball acaba por beneficiar o ritmo e a dinâmica do filme, com aquele grupo de pessoas fechados numa casa, à espera da morte. E, num processo muito semelhante ao de Os Amigos de Alex, as coisas vão tomar várias direcções, incluindo um momento de confissões passadas que envolve sexo e cama, uma revelação de gravidez e, claro, as dúvidas existenciais perante a finitude da vida.

É certo que Silent Night utiliza os mecanismo do filme apocalíptico para desencadear a catarse, mas este é antes um filme sobre as relações humanas e sobre a condição humana, especialmente perante a ameaça da morte. E é um filme de actores, com elenco em grande forma, que fazem com que Camille Griffin não tenha que se esforçar muito. Basta atirar-lhes os diálogos rápidos e conflituosos, com muitas pessoas a praguejar, para tudo se desenrolar de forma escorreita, limitando-se a gerir aquele jeu de massacre. E Silent Night até tem aquele prestígio do cinema britânico, que lhe permite entrar nos territórios do melodrama sem ser lamechas. Nunca a máxima “morrer com dignidade” fez tanto sentido no cinema. Silent Night está para a morte, assim como Dá Tempo ao Tempo está para o amor, até porque são dois filmes primos não muito afastados.

E, para terminar, a realizador Camille Griffin até remata tudo com uma cena tongue-in-cheek, muito à Eli Roth, provando que isto, afinal, é mesmo um filme de terror. É mais do que isso, digo eu, muito mais que isso. E é por isso que esta prosa termina com um Le Big Mac. Não é propriamente menu para uma noite de Natal, mas o que comer quando anunciaram e garantiram que o mundo ia se acabar?

Título: Silent Night
Realizador: Camille Griffin
Ano: 2021

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