| CRÍTICAS | Alphaville

Certa vez, li algures um texto que dizia que Solaris era o 2001: Odisseia No Espaço dos pobres. Por este fio de raciocínio, chegamos facilmente à conclusão de que Alphaville é o Blade Runner: Perigo Iminente dos pobres. E antes que me atulem a caixa de email com mensagens de ódio a dizer que Alphaville foi feito 20 anos antes e coisas parecidas, deixam-me acrescentar que sim, eu sei, e nada disso invalida este silogismo.

Alphaville é então uma distopia futurista em tons de film noir, onde Godard recicla Lemmy Caution, a personagem mitificada por Eddie Constantine em vários pulp movies. No entanto, apesar de ser um filme de ficção-científica, não existem efeitos especiais ou cenários vanguardistas. Alphaville (a cidade) não é mais do que os edifícios modernistas de Paris à noite, com os seus renaults e os seus fords corriqueiros. É o que já alguém apelidou de “distopias realistas” e, normalmente, são as que resultam melhor (Brazil – O Outro Lado Do Sonho é um excelente exemplo e um filme com grande influência).

Bem-vindos então à cidade de Alphaville, uma metrópole governada por um super-computador chamado Alpha 60 (olá Orwell), que manieta a sociedade com a sua lógica, impondo leis rígidas e métodos ordinários que proibem as reacções ilógicas e os instintos naturais, coisas como o choro, a raiva e o amor. Alphaville é então uma cidade monótona, onde tudo é chato e controlado: as ruas, a arquitectura, as mulheres (treinadas como gueishas sexuais, que apenas abrem a boca para agradar aos homens), o Alpha 60 e o próprio filme…

Oa primeiros vinte minutos são completamente alienados e deixam-nos totalmente à nora, sem um pingo de contextualização onde nos agarrarmos. No entanto, à medida que vamos colectando pistas sobre o que se passa e começamos a compreender o que se passa, Alphaville começa-se a tornar gradualmente interessante. Existem momentos verdadeiramente fantásticos – como a cena da execução na piscina, onde todos os que têm comportamentos ilógicos (como chorar após a morte da esposa) são fuzilados -, mas a ligá-los estão alturas verdadeiramente bocejantes.

Godard segue, como de costume, o principal ensinamento que Bergman nos deixou – faz cada filme como se fosse o teu último –, e presenteia-nos com mais uma colecção de planos memoráveis, travellings audaciosos e momentos artísticos que fazem parte do seu cânone (e em que nem sequer falta Anna Karina). Além disso, faz ainda o habitual jogo de tributos às suas referências (Godard era o Tarantino dos anos 60, não se esqueçam), onde o mais divertido é a recriação das lutas teatrais dos film noirs.

Tenho uma relação paradoxal e muito extremada com Alphaville. Por um lado acho-o aborrecido de morte em certas alturas, não suporto os primeiros quinze/vinte minutos e acho o Alpha 60 um vilão muito fraquinho (especialmente, quando comparado com o seu primo Big Brother); mas por outro, fico deliciado com o trabalho de câmara, venero aquela distopia matemática e racional e divirto-me bastante com o copy paste do francês. Assim, para não haver chatices, eis o meio-termo do Double Cheeseburger.

PS – e lembram-se quando a pirralha da Kelly Osborne andou a pilhar o filme.

Título: Alphaville
Realizador: Jean-Luc Godard
Ano: 1965

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