O mockumentário, género muito estimado aqui no tasco, não tem grande tradição no cinema português, excepção feita a algumas coisas feitas para a televisão (mas que são mais meta do que mock). E, chegados ao ano da graça de 2022, eis o primeiro mockumentário português – Os Últimos Dias de Emanuel Raposo. Afinal de contas, este é o ano em que vimos também, por exemplo, a primeira longa-metragem de animação portuguesa.
E quem é Emanuel Raposo? Para quem vive no continente o nome pode não dizer muito, mas para os habitantes dos Açores é uma figura incontornável. Afinal de contas, foi ele a cara do mítico “Meia-Hora com Emanuel Raposo”, um programa de variedades que durou até 1991. Ou, pelo menos, assim nos quer fazer querer Os Últimos Dias de Emanuel Raposo, que vai ao arquivo da RTP Açores recuperar as imagens da gravação daquele que foi o último episódio do programa, no ido ano de 1991.
Qualquer mockumentário para funcionar tem que nos convencer de que é um documentário verdadeiro. E nisso, Os Últimos Dias de Emanuel Raposo não falha um milímetro. Com o aspecto televisivo da década de 90, incluindo inclusive um genérico incrível, o “Meia-Hora com Emanuel Raposo” remete-nos imediatamente para outros títulos que fazem parte do nosso imaginário colectivo, como o “Tv Rural”, do mítico Sousa Veloso. E Mário Roberto, na pele do próprio Emanuel Raposo, incarna na perfeição esses rostos televisivos de ontem, com bigode a condizer e tudo.
Os Últimos Dias de Emanuel Raposo é entao uma espécie de making of do último programa televisivo de Emanuel Raposo, onde o realizador Diogo Lima vai desmontando todo o aparelho fílmico, à medida que a tensão cresce entre a equipa. Abbas Kiarostami fez o mesmo, naquele final iconográfico de O Sabor da Cereja, mas com apenas um plano. Além disso, Os Últimos Dias de Emanuel Raposo é também uma espécie de périplo pelos Açores, num filme que tem uma grande conexão com o território (e com os sotaques), até porque esta foi uma produção do festival Walk&Talk.
Os Últimos Dias de Emanuel Raposo vê-se com curiosidade, até porque não existe propriamente um twist que procure reinventar a roda. Por isso, a carreira paralela de Emanuel Raposo na música ligeira, cujos telediscos são também apresentados, parece um extra que pertenciam a outro filme. Claro que tem sempre graça criar um proto-José Pinhal, mas essa parte é para outro mockumentário. Talvez para o segundo mockumentário do cinema português. Para já aproveitemos este McChicken. E, provavelmente, ficarão fãs do Emanuel Raposo como eu fiquei.
Título: Os Últimos Dias de Emanuel Raposo
Realizador: Diogo Lima
Ano: 2021