| CRÍTICAS | A Princesa e o Sapo

O recente lançamento do álbum póstumo do Dr. John é um óptimo pretexto para irmos repescar A Princesa e o Sapo, filme que conta com música do próprio e que merece ser mais relembrado. É que, além de todas as suas qualidades, este teve a particularidade de contar com a primeira princesa negra da Disney. E, anos antes do Soul – Uma Aventura Com Alma, já tinha prestado tributo à cultura negra norte-americana, já que toda a história é ambientada em Nova Orleães.

Aliás, há uma cena logo na parte inicial de A Princesa e o Sapo que dá logo toda uma perspectiva de classe, que chuta para canto todo aquele passado racista da Disney, que conflui em A Canção do Sul. É uma cena em que Tiana (voz de Anika Noni Rose) vai de carro com a mãe (voz de Oprah Winfrey) da casa de uns clientes e amigos (a mãe é costureira, a melhor de Nova Orleães) e a paisagem vai alterando-se gradualmente, passando das enormes casas senhoriais de arquitectura colonial para as barracas do French Quarter. Escusado será dizer que Tiana e a família são negros e os tais amigos (voz de Jennifer Cody na pele da amiga) são brancos.

Este é o apenas o prólogo de A Princesa e o Sapo, já que o filme passa-se vinte anos depois. Agora, Tiana é uma adolescente e trabalha que nem uma moura para recolher todo o dinheiro que consiga, para cumprir o sonho que herdou do pai: abrir um restaurante, que sirva gumbo, jambalaya e outra comida típica de Nova Orleães. Por sua vez, a amiga Charlotte continua a sonhar em casar com alguém de sangue azul, já que sonha em tornar-se princesa. Por isso, quando Naveen (voz de Bruno Campos), príncipe do fictício país da Maldónia, vem à cidade, muitos interesses em comum vão-se cruzar.

Entre eles, estão os interesses do interesseiro do Dr. Facilier (voz de Keith David), aquele que é um dos melhores vilões de sempre dos desenhos-animados da Disney. Facilier incarna todo o espírito de Nova Orleães, ou não fosse ele um bokor, os feiticeiros que fazem parte da cultura da cidade. Todo ele é vudu, hudu e magia negra, que utiliza nos seus esquemas para arranjar dinheiro de forma fácil. Por isso, quando consegue a cumplicidade do criado do príncipe, Facilier engendra um plano que o vai tornar rico: transformar Naveen em sapo, colocar o criado no seu lugar e catchim catchim, lucrar com isso tudo. Facilier é matreiro, algo assustador e faz jus ao seu cognome de “Homem das Sombras”, já que estas têm vida própria para lá das paredes onde se projectam, levando o expressionismo alemão a um passo seguinte.

A Princesa e o Sapo é assim uma variação do clássico infantil do príncipe transformado em sapo, que precisa de ser beijado para reassumir a sua forma humana, só que com um twist: aqui, a linda dama que o beija – Tiana, claro – também se transforma em sapo. Numa altura de emancipação feminina, um filme da Disney com príncipes e princesas em busca do amor pode parecer um pouco anacrónica. É certo que seria muito simplista reduzir o filme a isso, mas porque é incontornavelmente um filme sobre o amor, os realizador Ron Clements e John Musker decidiram ir buscar inspiração onde a Disney foi melhor a passar essa mensagem. A Princesa e o Sapo inspira-se na animação tradicional do período áureo da produtora, nomeadamente de A Dama e o Vagabundo e Bambi.

A Princesa e o Sapo é então uma aventura pelo bayour de Nova Orleães, com o jazz, o rhythm and blues e o cajun como banda-sonora (é aí que entra o Dr. John, contribuindo para uma bela colecção de temas), e um par de sidekicks que aparecem e desaparecem com nomes de músicos negros: Louis, com voz de John Goodman, é um aligátor obcecado em tocar trompete que presta tributo a Louis Armstrong; e Ray, com voz de Jim Cummings, é um pirilampo apaixonado por uma estrela, que presta homenagem a Ray Charles.

Pelo tema mais ou menos clássico e a animação tradicional, A Princesa e o Sapo é um dos filmes pouco lembrados da Disney, até porque estreou numa fase de menos fulgor da empresa, que estava com dificuldades em se adaptar ao advento da animação digital. No entanto, a distância temporal já nos permite começar a olhar para esses filmes como clássicos. E A Princesa e o Sapo é um McChicken que tem muito por onde se destacar: a primeira princesa negra, como referido acima, o Dr. John na banda-sonora, um vilão do caraças e até um bodycount de 1, com um assassinato bem cruel.

Título: The Princess and the Frog
Realizador: Ron Clements & John Musker
Ano: 2009

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