| CRÍTICAS | Ovo

No início, Tinja (Siiri Solalinna) até parecem não se dar nada bem com animais, como uma espécie de anti-princesa da Disney. Primeiro, um corvo entra pela janela da sala e destrói tudo em volta (até ter o pescoço partido a sangue frio pela mãe (Sophia Heikkilä), num momento que será determinante para o resto do filme); e depois é o cão da nova vizinha, um pug aparentemente pacífico, que lhe tenta afincar o dente quando ela lhe faz uma festa: ele nunca fez isso a ninguém! Por isso, nada fazia prever o que se segue: Tinja recolhe um ovo na floresta (do tal corvo do pescoço partido, porque em filmes deste tipo nunca à ponta solta sem nó) e vai choca-lo como se fosse seu.

E se não esperávamos nada disto, o que dizer do que vem a seguir? Não só já era estranho o ovo ir crescendo e crescendo de tamanho, como que, quando eclode, o espanto!, eis uma criatura esquálida e assustadora, meio humana meio passarão, com cabelo ralo e escorrido como a miúda do The Ring – é como um boneco que o Jim Henson tivesse criado para a Rua Sésamo e que tivesse caído nas malhas devastadoras da crystal meth.

Ovo é assim uma fábula que recorre aos signos do terror para falar de outras coisas. É, primeiro que tudo, um coming of age sobre a puberdade e todas as mudanças que o corpo e o espírito sofrem nesse período da vida. E, depois, é uma reflexão sobre os pais que vivem os seus sonhos através dos filhos e projectam neles as suas expectativas irrealistas, levando ao trauma. Aliás, a família de Tinja é o verdadeiro monstro do filme e não a criatura que ela cria – e que fica sempre a dúvida se será mesmo real ou se será apenas uma manifestação dos seus sentimentos reprimidos.

Já David Lynch nos ensinara que uma fachada de normalidade esconde sempre um cenário grotesco. A família de Tinja é toda ela fachada. A mãe é uma influencer que documenta online toda a vida e, por isso, o provado e o público misturam-se. Não admira que, quando a filha descobre que a mãe tem um amante, ela partilhe a informação com naturalidade. A disfuncionalidade é enorme e, além disso, a mãe força tanto a filha a ser bem sucedida na ginástica que até parece que estamos a ver uma sequela daquele documentário enervante, o Over The Limit.

Ou seja, Ovo tem muitas – e boas – ideias onde afiambrar o dentre. O problema é que, como o faz, nem sempre é propriamente a melhor forma. As más representações, especialmente o miscast de Siiri Solalinna na pele da protagonista, alado a um lado mais low budget, dá-lhe um certo ar artesanal que nunca percebemos se é ou não voluntário. Se é, não lhe fica bem; se não é, ainda pior. O que significa que Ovo é um óptimo filme que acaba desperdiçado. Tinha tudo para ser um Royale With Cheese e acaba sendo um Double Cheeseburger.

Título: Pahanhautoja
Realizador: Hanna Bergholm
Ano: 2022

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *