Sempre que se fala de musicais franceses (de qual país europeu, na verdade…) fala-se inevitavelmente de Os Chapéus-de-Chuva de Cherburgo. Mas, lugares-comuns à parte, vemos Tralala e o que é que havemos de fazer? O filme realizado pelos irmãos Larrieu não tem nada do musical-espectáculo norte-americano, com coreografias elaboradas e um sentido maior que a vida. É antes um musical quase artesanal, onde as personagens dialogam a cantar (como em Os Chapéus-de-Chuva de Cherburgo, precisamente), num lirismo mágico que faz lembrar o cinema de João Nicolau pelo seu sentido lúdico e escapista.
Comecemos pela história. Tralala (Mathieu Amalric) é uma espécie de vagabundo feliz, satisfeito com a sua vida errante, feita na companhia da guitarra, que dedilha e cantarola constantemente. Além disso, vai criando canções à medida da ocasião, seja sozinho (na rua, a pedir), seja em dueto com os amigos das obras, por exemplo. Até que… uma aparição dos céus. Uma beldade vestida de azul (Galatéa Bellugi) leva-o a tomar um copo e Tralala apaixona-se perdidamente. Quando ela desaparece sem aviso, segue-a até Lourdes e, pelo significado do local, só pode significar uma coisa: aquela rapariga só pode ser uma aparição e certamente que isso tem algum significado.
Entretanto, a sua vida de errância leva-o até a um hotel semi-abandonado, onde acaba por ser confundido com o filho há muito desaparecido de uma família local, mergulhando sem querer numa intriga de amores e desamores. Tudo em formato de telenovela, não fosse a música, que enforma tudo em ambientes absurdos e meio-surrealistas, que tanto podiam fazer parte de Rapace como e Technoboss. Alguém andou a ver muito cinema português. Ou então é o cinema novo português a começar a fazer escola lá fora.
As cantigas são sempre descarnadas até ao osso, mas nunca falham. São orelhudas e, por vezes, quando não são diegéticas, têm uma coreografia minimalista a acompanhar. Leonard Bernstein está ainda a coçar a cabeça na tumba, sem perceber o que esta gente está a fazer. E, no entanto, Tralala é divertido, com uma melancolia digna de um blues (aliás, toda a melancia de Miguel Lobo Antunes, no Technoboss, sente-se aqui), mas que projecta a sua voz num solo irrepreensível (as metáforas musicais estão fortíssimas). Pode não ser o melhor filme do ano, mas Tralala é o melhor musical de 2022. E o McBacon está aqui para o provar.
Título: Tralala
Realizador: Arnaud & Jean-Marie Larrieu
Ano: 2021