Comecemos pelo mais importante: confesso que não entendo o J. D. Salinger. Quer dizer, percebo e gosto de todo o folclore mitológico que cultivou, o do escritor eremita que escreveu toda a vida, mas que pouco publicou (porque, como alguém refere em O Meu Ano com Salinger, um escritor é aquele que escreve, publicar é apenas uma transacção comercial), mas leio “À Espera no Centeio” e… meh. Acontece-me o mesmo com o Cormac McCarthy. Ou com a geração beat, em geral. Se calhar é um problema meu com a literatura norte-americana… Enfim, tudo isto para me questionar: será que estou influenciou a minha opinião sobre O Meu Ano com Salinger? Creio que sim, mas penso que não.
Seja como, apesar do nome no título, O Meu Ano com Salinger não é um filme sobre o escritor. No entanto, a sua presença paira ao longo de toda a história, como uma espécie de mistura entre inspiração divina e anjo protector. O filme é baseado nas memórias de Joanna Rakoff (interpretada por uma muito irritante e com queda para o overacting Margaret Qualley), uma aspirante a escritora que, no final dos anos 90, foi trabalhar quase por acaso para a agência que representava o escritor.
Salinger há de aparecer um par de vezes, sempre com a cara escondida (tal como os humanos nos desenhos-animados do Tom & Jerry, porque, tal como aí, ele também não faz parte deste mundo), mas quem é a personagem realmente importante desta história é Margaret (Sigourney Weaver), a directora da agência. Margaret é uma mulher old school, que gosta de gerir as coisas como sempre fora, aversa ao progresso dos computadores e da internet que começava a dar os primeiros passos e que é tão rígida, quando compreensiva. Por isso, enquanto que a figura de Salinger é quase divina, pairando sobre a cabeça de Joanna Rakoff, a de Margaret é uma figura maternal, que há de a guiar por este ano decisivo no seu crescimento enquanto indivíduo.
O Meu Ano com Salinger é assim um coming of age, ambientado mo meio artístico e literário de Nova Iorque no final dos anos 90 – um período de transição determinante – e que, por isso, relembra vagamente o ambiente dos filmes de Woody Allen dos anos 80. Joanna Rakoff abandona a província (e o namorado) para vir perseguir o seu sonho nas Letras, arranja um novo amor, um apartamento pequeno e um trabalho temporário que acabará por se estender e prolongar por mais do que previa, com um peso e uma influência bem mais marcante na sua vida do que era expectável.
Não há aqui propriamente nada de novo e, apesar do realizador Philippe Falardeau ainda tentar introduzir coisas novas (como os diálogos com o fantasma de um miúdo deprimido, que escreve recorrentemente ao seu ídolo, J. D. Salinger, e que mais não é do que um elefante na sala que Joanna Rakoff se recusa a enfrentar até ao final do filme, dando então a catarse), O Meu Ano com Salinger é relativamente desinspirado. Não é que haja algo aqui de mau, mas também não existe nada realmente significativo. A coisa decorre de forma mais ou menos irrelevante, às vezes até com uma economia de telefilms, num Cheeseburger simpático, mas altamente esquecível. E agora estava a tentar terminar com uma metáfora com o Holden Caulfield, a personagem principal de “À Espera no Centeio”, mas nem isso consigo.
Título: My Salinger Year
Realizador: Philippe Falardeau
Ano: 2020